“O Brasil corre o risco de retroceder”

Por ETCO
30/01/2019
Everardo Maciel é o novo presidente do Conselho Consultivo do ETCO
Everardo Maciel é o novo presidente do Conselho Consultivo do ETCO

Novo presidente do Conselho Consultivo do ETCO fala de contrabando, sonegação, guerra fiscal e do momento ruim do País

 

 

O tributarista Everardo Maciel é o novo presidente do Conselho Consultivo do ETCO-Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Ele assumiu o posto em 1° de setembro, em substituição ao embaixador Marcílio Marques Moreira, que ocupava a função desde 2006.  O Conselho Consultivo é formado por nomes de destaque de diversos segmentos da sociedade, como juristas, diplomatas, políticos e empresários, e tem o papel de orientar os rumos do Instituto.

Secretário da Receita Federal no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e atualmente trabalhando como professor e consultor, Everardo participa do Conselho Consultivo desde que ele foi criado, em 2004. “É uma responsabilidade enorme suceder alguém com o valor intelectual e a importância do embaixador Marcílio Marques Moreira”, diz ele.

Confira a seguir trechos da entrevista que ele concedeu ao ETCO em Ação.

Como recebeu a missão de presidir o Conselho Consultivo do ETCO?

Everardo Maciel: O ETCO é uma rara iniciativa do empresariado para desenvolver a concorrência justa no Brasil. Sou membro do Conselho Consultivo desde a fundação e acompanhei todas as iniciativas do Instituto. Minha intenção é dar continuidade aos trabalhos que o embaixador Marcílio vinha desenvolvendo com brilhantismo. Apenas desejo aumentar a discussão interna para formar ou fortalecer as convicções do ETCO em relação aos temas nos quais atua. Qual a nossa visão sobre o combate ao contrabando? Como o Instituto deve se posicionar em relação à guerra fiscal? Pretendo aprofundar o entendimento sobre essas questões dentro do Conselho Consultivo, incluindo contribuições de especialistas de fora, para ajudar a orientar os rumos do Instituto.

Qual sua visão sobre o momento atual?

Everardo Maciel: O Brasil está vivendo uma crise profunda, que tem uma dimensão econômica importante, inserida, entretanto, numa crise maior, a de valores. Esse quadro repercute negativamente nas matérias que constituem objeto do ETCO. A sonegação, a pirataria e o contrabando, por exemplo, tendem a aumentar, em virtude da recessão. O Brasil corre o risco de retroceder nos temas de interesse do ETCO.

O apoio a movimentos anticorrupção é um dos temas do ETCO. Como vê as novas leis que foram criadas para combater esse mal?

Everardo Maciel: Tenho muitos questionamentos. No Brasil, há uma tendência para criar leis de ocasião. Surge um problema, edita-se uma nova lei, cuja efetividade jamais é avaliada. É preciso avaliar se essa nova legislação tem, de fato, condições de reduzir a corrupção. Há o risco de não se atingir o objetivo e ainda provocar incertezas que prejudicam a economia. O nome ‘Lei Anticorrupção’, também, dificulta esse tipo de reflexão. Se você faz um questionamento, corre o risco de ser tachado de favorável à corrupção. Precisamos discutir mais esse assunto no Conselho Consultivo, para chegarmos  a uma conclusão.

Por que o Brasil não consegue reduzir o contrabando?

Everardo Maciel: Porque insistir somente no caminho da repressão não funciona. Hoje, entendo que não há como enfrentar o contrabando sem um poderoso programa de cooperação internacional. Não estou falando de apenas assinar acordos de intenções, apertar as mãos e dizer que vamos atuar juntos, mas de um trabalho mais consistente, que considere os interesses mútuos, atue nas razões do outro lado da fronteira.

Está se referindo ao Paraguai?

Everardo Maciel: Nomeadamente, o Paraguai. Nunca vamos resolver o contrabando sem um programa que considere o desenvolvimento do Paraguai. Existem semelhanças com a crise migratória que estamos vendo na Europa. Não adianta tentar fechar as fronteiras, construir muros, colocar cerca elétrica. As pessoas que correm risco de ser atingidas por bombas ou morrer de fome, em seus países, farão de tudo para furar o bloqueio. Quem acredita que dá para resolver o contrabando apenas com repressão deveria passar alguns dias na fronteira do Brasil com o Paraguai, vendo a quantidade de pequenos aviões que sobrevoam a região.

O Brasil já tentou seguir esse caminho?

Everardo Maciel: Quando eu era Secretário da Receita, o presidente Fernando Henrique me incumbiu de negociar um amplo acordo com o Paraguai. Em poucos meses, firmamos um acordo. Infelizmente, a diplomacia segue um ritmo muito moroso e o acordo somente veio a ser homologado pelo Congresso já no governo do presidente Lula, quando as circunstâncias eram outras. O Senado paraguaio acabou rejeitando o acordo.

Como reduzir a sonegação?

Everardo Maciel: A solução exige regras simples e carga tributária em níveis razoáveis. Do ponto de vista da tecnologia, o Brasil já tem um dos sistemas de arrecadação mais modernos do mundo. Tenho orgulho de ter participado, no ETCO, da implantação da nota fiscal eletrônica. Um dos nossos maiores problemas hoje não é a sonegação da mercearia, mas a que é praticada por grandes grupos econômicos por meio da elisão ilícita, do planejamento tributário abusivo. São bilhões de reais que escorrem por esses mecanismos que o País continua negligenciando.

Conseguiremos fazer a reforma tributária?

Everardo Maciel: Não teremos reforma tributária. As pessoas sonham em criar outro sistema de impostos, mas não existem paradigmas a seguir. Se você juntar os dez maiores tributaristas brasileiros e pedir para eles criarem um novo sistema, no final teremos, pelo menos, onze modelos diferentes. Sistemas tributários são modelos culturais, que evoluem continuadamente. No Brasil, há a ilusão do reformismo, na presunção de que reformas são uma panaceia para todos os males. Reforma tributária não é evento, é processo.

Como solucionar a guerra fiscal?

Everardo Maciel: Guerra fiscal é a competição nociva, contra legem. Não podemos, porém, confundi-la com competição fiscal lícita, que existe no mundo desde que foram criados os impostos. O Brasil precisa decidir até que ponto aceita a competição fiscal. Hoje, vivemos numa situação de caos. Não há leis, e as que existem não contêm sanções, o que é o mesmo que não existir. Infelizmente, acredito que estamos longe de resolver essa questão, porque não demos nem o primeiro passo, que é entender o problema. É como o dilema de Alice [do livro Alice no País das Maravilhas], que pede ao gato para ajudá-la a encontrar a saída, mas não sabe dizer para onde quer ir. E o gato fala: “Nesse caso, pouco importa o caminho”. Para resolver a guerra fiscal, precisamos antes ter clareza de quais são nossos objetivos.