Artigo: Uma questão de saúde pública

Por ETCO
12/03/2012

Por Roberto Abdenur

Uma indústria tão pungente quanto nefasta coloca na corda bamba a saúde e até a vida de milhares de brasileiros. Anualmente, ela se apodera de vultosas quantias, que variam entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões, provenientes do comércio de medicamentos que resultam de roubo, contrabando, distribuição de remédios falsos ou ilegais.

Para se ter uma ideia da força dessa “indústria do risco”, apenas no primeiro semestre de 2011 a apreensão de mercadorias por contrabando, falsificação e pirataria aumentou em 51% em relação ao mesmo período de 2010, segundo a Receita Federal. Um dado por si só alarmante, mas que fica ainda pior quando se dirige um olhar apenas às cargas de medicamentos apreendidas e se chega ao assustador crescimento de 180,5% em comparação com o ano anterior. Um desonroso terceiro lugar, atrás apenas de carregamentos ilegais de munições, que tiveram aumento de 445%, e de bolsas e acessórios, que cresceram 423%.

Não é necessário ser um economista titulado para entender a máxima de que não há oferta sem demanda. Feita essa rápida associação, não surpreendem os resultados de pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência para a Interfarma no fim de 2011. Depois de ouvir 2.002 pessoas em todo o País, o estudo revelou que um quinto da população brasileira compra remédios sem receita médica. No Nordeste, essa população sobe para quase um quarto, mais exatamente 24%.

Como bem disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em evento realizado no Rio de Janeiro, a verdade é que as pessoas compram. Seja pela facilidade, pelo preço, pela conveniência, o cidadão brasileiro se expõe a riscos inimagináveis, notadamente quando se conhece a precariedade com que são fabricadas as “pílulas da pirataria”.

O problema, de difícil solução, tem mobilizado tempo e mentes não só no Ministério da Justiça e na Polícia Federal. Nessa luta estão engajados a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP); parlamentares e organizações da sociedade civil, como o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP).Cada um, em sua especialidade, muito tem feito para combater esse mal que assola o País.

Mas em vista dos números apresentados acima, claro está que a repressão ao crime, isoladamente, está muito aquém da necessidade premente de erradicação da informalidade nociva.

Medidas louváveis – como a parceria entre a Anvisa e o Ministério da Justiça, para apreensão de medicamentos ilegais; interdição de estabelecimentos e prisão dos responsáveis; e o Plano Estratégico de Fronteiras, que articula diversas forças governamentais na vigilância dos 17 mil quilômetros de fronteira terrestre do Brasil –devem, necessariamente, ser acompanhadas de outras ações de cunho preventivo.

Investir com efetividade na conscientização da população sobre os malefícios dos remédios ilegais e os riscos a que está exposta é medida das mais urgentes. Unir esforços em torno da produção de campanhas educativas é uma missão que se impõe aos atores do setor.

O rastreamento de medicamentos é outro fator de grande importância. Em comunicado divulgado em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que já deliberou sobre as diretrizes que nortearão a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, conforme determinado pela Lei 11.903/09. O rastreamento, entre outras vantagens, ajudará no combate aos roubos de carga e permitirá identificar quem fabricou o produto, quem o vendeu, quem o despachou e quando chegou ao distribuidor e às farmácias.

Não estamos diante de um problema simplesmente econômico. Sem dúvida, a indústria honesta e legal de medicamentos é afetada e o governo perde arrecadação que poderia estar sendo usada na melhoria dos serviços à população. Mas o caso dos medicamentos escancara um problema maior, um problema de saúde pública, de vida, de cidadania. O Brasil não pode e não deve continuar correndo esse risco.