Álcool ilegal e o prejuízo aos cofres públicos

alcool ilegalO álcool ilegal diz respeito às modalidades de bebidas alcoólicas não registradas, ou seja, é produto de contrabando, adulteração, ou mesmo produção artesanal.

Segundo pesquisa do Instituto Euromonitor intitulada “The Illegal Alcoholic Beverages Market in Six Latin American Countries” (“O Mercado Ilegal de Bebidas Alcoólicas em Seis Países Latino-Americanos”, em tradução livre), o governo da Colômbia perde cerca de US$ 450 milhões por ano com o álcool ilegal. Apenas para servir de parâmetro, o jornal La República, da Colômbia, apresentou um comparativo interessante, segundo o qual este valor é quase equivalente às exportações de café colombiano no primeiro trimestre do ano.

Ainda segundo a pesquisa, o principal motivo que torna o consumo de álcool ilegal tão expressivo no mercado local seria a elevada carga tributária incidente sobre a indústria regularmente estabelecida. Em decorrência de o imposto sobre bebidas alcoólicas ser um dos maiores da região, o mercado ilícito cresce a cifras seis vezes superiores às do mercado legal (19,2% contra 2,9% de crescimento anual). Os baixos preços são apontados como um dos atrativos para o consumidor final, que muitas vezes desconhece os riscos à saúde a que são expostos.

A pesquisa ainda traça um comparativo entre os países da América Latina, no qual aponta o Brasil à frente da Colômbia, com 28,4% do álcool consumido sendo ilegal contra 24,3% do país vizinho. Neste ranking, o Brasil fica atrás somente do Peru, com 30,8% de bebidas ilegais.

Com o intuito de combater este mercado clandestino que responde por mais de ¼ do consumo total de álcool no Brasil, e que se propaga em frentes como o contrabando e a adulteração, o ETCO vem promovendo discussões e buscando alternativas hábeis a desencorajar o consumo e a produção de bebidas ilícitas. Em dezembro de 2014, foi realizada uma mesa-redonda multidisciplinar em São Paulo analisando aspectos econômicos, de saúde e de fiscalização do mercado do álcool ilegal, onde foram identificadas oportunidades de agenda comum entre os envolvidos e ações necessárias para aumentar a conscientização da população sobre o assunto. Em março deste ano, o tema sob o aspecto do contrabando foi abordado nos eventos do ETCO realizados em Brasília e São Paulo.

Um exemplo a ser seguido no combate ao álcool ilegal

O ETCO vem discutindo, há algum tempo, medidas para combater o álcool ilegal. A complexidade do assunto, que abrange bebidas adulteradas, contrabandeadas e até mesmo fabricadas de forma caseira, exige uma atuação conjunta de diversos órgãos governamentais para tentar eliminar o problema.

Iniciativas simples, porém, podem servir de modelo ao Brasil no combate às bebidas alcoólicas adulteradas. É o caso do carnaval de rua da capital fluminense.

A prefeitura do Rio de Janeiro promove, periodicamente, uma concorrência para a comercialização de bebidas alcoólicas durante os dias festivos. A empresa vencedora fica responsável não apenas por fornecer as bebidas oficiais aos vendedores ambulantes, mas também por treiná-los a trabalhar obedecendo às normas vigentes. Em decorrência disso, há benefícios diretos, como o controle da venda de bebidas a menores de idade e mais higiene no manuseio dos produtos, e também indiretos, sobretudo, por conta da uniformização do preço de venda do álcool, que é tabelado. Assim, há um desestímulo geral à comercialização do álcool ilegal.

A simples proibição da venda de bebidas, como ocorre em eventos similares em outras cidades do País, não impede o seu consumo. O que ocorre é que, sem qualquer fonte regular de fornecimento, muita gente acaba migrando para o consumo de bebidas ilegais, o que estimula uma extensa cadeia criminosa. O modelo de comercialização adotado, neste caso, é uma medida efetiva que evita inúmeras consequências à saúde pública dos consumidores, a sonegação de tributos e o prejuízo à livre concorrência

Diálogos: Impactos Sociais e Econômicos do Álcool Ilegal inaugura discussão sobre risco de bebidas

ROUNDTABLE

O ETCO promoveu, no mês passado, uma discussão sobre causas, consequências e soluções para o combate à produção e ao comércio de bebidas alcoólicas ilegais. A mesa, denominada Diálogos: Impactos Sociais e Econômicos do Álcool Ilegal, trouxe especialistas de diversos órgãos, como o Departamento de Proteção à Pessoa e à Cidadania da Polícia Civil, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e o Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP).

Na abertura, o Presidente Executivo do ETCO, Evandro Guimarães, destacou o papel do Instituto: “O ETCO tem seu foco em combater ‘desvios empresariais’: sonegação, pirataria, falsificação, adulteração, contrabando, descaminho. Esse conjunto de desvios necessita de uma visão muito menos focada apenas na repressão: nós precisamos ter um esforço de compreensão de por que há uma cultura de transgressão enraizada na sociedade.”

Dentre as diversas modalidades de adulteração, pirataria e ilegalidade a serem combatidas, o álcool ilegal entra na pauta, já que, além de prejudicar as empresas regularmente estabelecidas mediante a desobediência de normas técnicas, de procedência e tributárias, pode oferecer também uma ameaça à saúde de quem o consome, em vista da presença de substâncias impróprias. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), 25% do álcool consumido no mundo vem de fontes não-registradas. No Brasil, conforme pesquisa do Euromonitor, esse número sobe para 28%.

A legislação brasileira já prevê penas para quem produz, expõe à venda ou distribui álcool ilegal. Existem duas tipificações legais em que os falsificadores de bebidas alcoólicas podem incorrer, dependendo do conteúdo adulterado. Se este for nocivo ao consumo humano, constitui-se crime contra a saúde pública, como prevê o art. 272 do Código Penal. Se o conteúdo original for substituído por um líquido de menor qualidade ou diluído em água, ainda assim haverá o cometimento de crime: desta vez contra as relações de consumo (art. 7º da Lei 8.137/1990). Em qualquer dos casos, não apenas o consumidor é afetado diretamente, como também a indústria, que corre o risco de ter seus produtos, desenvolvidos após anos de investimentos em pesquisas de qualidade e promoção de marca, substituídos por conteúdo de baixíssima qualidade e impróprio ao consumo.

O caráter multissetorial da mesa serviu para reforçar o fato de que, tal como ocorre em outras modalidades de atividades ilícitas, a atuação no combate ao álcool ilegal deve ser conjunta e sincronizada, até mesmo para cobrir a existência de variados tipos de bebidas não-registradas, a fim de diminuir o espaço de atuação dos criminosos. Outra oportunidade de ação seria por meio de informação e comunicação à população.

Evandro Guimarães destacou, ao final do evento, que é preciso entender o tamanho desse mercado ilegal. “Nós precisamos expandir esta iniciativa para além de São Paulo. Se não parece suficientemente claro ao comerciante que vender bebida adulterada é crime, temos que encontrar uma maneira de trabalhar a legislação, a divulgação ou ambos”, afirmou. Essa foi uma das diversas atividades de encerramento do ano do ETCO, e a agenda certamente encontrará espaço para evolução em 2015.

Três perguntas para Sérgio Almeida

Sérgio_Almeida_Professor_FEA_USP

 A OMS recomendou, em seu último relatório, a implementação de inúmeras medidas restritivas sobre a indústria de bebidas, com base nos dados apresentados. Essas ações são eficazes no combate ao consumo nocivo?

A OMS tem feito lobby junto aos governos para implementar uma agenda bastante ampla de medidas regulatórias sobre a indústria de bebidas alcoólicas. Entretanto, especificamente no Brasil, os dados sobre padrões de consumo são frágeis e insuficientes, e pouco sabemos ainda sobre o impacto (custo-benefício) dessas restrições. Precisamos, portanto, de mais informação antes de perseguir a implementação mais estrita desses compromissos. Atitudes tomadas com base em premissas erradas nem sempre geram os resultados desejados. O aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas ou a imposição de restrições em relação ao horário de venda de bebidas, por exemplo, possuem custos sociais que devem ser avaliados e comparados com as suas vantagens. O Governo pode usar o argumento da externalidade negativa (de que o consumo nocivo de álcool cria ônus para terceiros) como justificativa para uma taxação pesada do setor. Mas as evidências sugerem que isto não está funcionando. Pior: pode até agravar o problema, na medida em que a taxação do setor pode estar aumentando o consumo do chamado álcool ilegal, o que gera uma série de prejuízos para a sociedade.

 Para que haja um combate ao álcool ilegal é preciso conhecer melhor os números desse comércio. Quais seriam possíveis fontes de dados?

Há sempre uma enorme dificuldade no levantamento de informações de qualquer mercado ilegal. Não há registro formal dos estabelecimentos, e entrevistar seus participantes envolve, em algum nível, interação com ‘foras da lei’. Uma forma de descobrir o que está acontecendo com essa economia subterrânea é olhar tanto para variáveis observáveis sobre insumos do setor quanto correlacionadas ao consumo dessas bebidas ilegais. Podemos apurar também dados de apreensões. Neste caso, no entanto, a análise deve ser feita com bastante cuidado, já que uma diminuição na quantidade de produtos apreendidos não necessariamente significa a redução do consumo de produtos ilegais, podendo ser simplesmente resultado de um menor esforço de apreensão por parte das autoridades fiscalizadoras. Sabendo o tamanho deste mercado e quem o está financiando, é possível fazer estimativas sobre custos de propostas de combate. No caso específico do mercado de bebidas alcoólicas, temos que chamar atenção que há diversas modalidades de álcool ilegal. Bebidas contrabandeadas, por exemplo, geram perda de receita tributária, mas não são necessariamente prejudiciais à saúde. Já a adulteração de bebidas alcoólicas com substâncias impróprias para o consumo, além de prejudicar a indústria regularmente estabelecida e pagadora de impostos, pode trazer ônus para a saúde pública e, em última instância, para o bolso do contribuinte.

Quais fatores podem levar uma pessoa a migrar do mercado de bebidas legais para o consumo de álcool ilegal?

 Todo tipo de restrição imposta sobre o lado da oferta pode estimular o mercado ilegal. O aumento do preço, às vezes induzido por majoração de imposto, é um desses fatores. Veja o caso análogo do comércio de CDs e DVDs piratas: o elevado preço dos produtos originais, somado à facilidade em se conseguir produtos falsificados, gera uma demanda imensa. Ou seja: aumento de preço do produto legal combinado com um ambiente que pouco fiscaliza e pune os envolvidos no comércio ilegal de bebidas pode criar as condições favoráveis para o florescimento dessas atividades. Restrições de horário e mesmo a proibição total (uma lei seca por prazo mais longo) tendem a fazer com que as pessoas busquem fontes alternativas de consumo, ficando mais suscetíveis às bebidas ilegais. Um exemplo emblemático dos efeitos de restrições draconianas, como a proibição, ocorreu durante a lei seca nos Estados Unidos. Ela reduziu por um tempo o consumo de álcool, mas estimulou a produção paralela, onde não havia qualquer tipo de certificação ou controle de qualidade. Resultado: fora os prejuízos para os governos locais que perderam muito de sua arrecadação, o aumento no consumo de álcool ilegal causou um acréscimo no número de mortes – vale lembrar que a intoxicação por bebidas ilegais é muito superior àquelas produzidas pela indústria e que seguem padrões de qualidade estabelecidos por autoridades governamentais. Por fim, podemos dizer que em grandes eventos, se existe a proibição do consumo de bebidas alcoólicas, há margem para a atuação de vendedores não autorizados e que podem comercializar álcool ilegal. Se você adotar qualquer medida restritiva (taxação ou o que for), as pessoas vão responder (elas sempre respondem!), e essas respostas podem ter outros custos/benefícios sociais. Logo, antes de implementar restrições, o recomendável é que você tente antecipar as respostas, seus efeitos, e incorpore tudo isso em uma análise de custo-benefício o mais abrangente possível.