Em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, Edson Vismona critica a pouca vigilância nas fronteiras brasileiras, que abre caminho ao crime organizado.

Imagem artigo ESTADO QUE ESTADOEstado. Que estado?

 

Por:  Edson Vismona (*)

Sabemos que o Estado existe para dar respostas a algumas obrigações básicas: cumprir e fazer cumprir a lei; exercer a autoridade (nunca o autoritarismo); arrecadar impostos e taxas e administrar os recursos públicos (com exação); e prestar serviços (permanentes e com qualidade).

As cenas fartamente mostradas na televisão neste início de ano fazem com que tenhamos dúvidas quanto ao papel do Estado brasileiro. Elas atestam a barbárie nos presídios do Brasil, demonstrando, de um lado, a presença das organizações criminosas e, de outro, a ausência do Estado, incapaz de prontamente agir no cumprimento dos seus deveres.

Como um espectador, assistiu à ação das facções criminosas, temeroso de assumir o controle da situação caótica — como se fosse admissível a ausência da administração pública na manutenção da ordem pública, ignorando, assim, suas obrigações primárias.

Essa omissão é vergonhosa. Verdade que o governo federal, diante do descalabro, depois de avaliar a situação, adiantou a apresentação de mais um plano de segurança nacional. A questão é: até quando discutiremos planos sem efetiva aplicação? O diagnóstico é conhecido: na falta do Estado, o crime ocupa o espaço e tem agido com grande organização e destemor. Para além dos presídios, a ação é urgente. Desde as fronteiras até as cidades, temos o crime organizado ocupando espaços e ganhando bilhões de reais com o contrabando (especialmente de cigarros), tráfico de drogas, armas e munição, pirataria, sonegação, fraudes na venda de combustíveis, falsificação de produtos e documentos.

Ao buscar a inserção nas instituições públicas — o que acontece por meio de participação ativa nas eleições de representantes políticos e também pelo aliciamento de autoridades (policiais e judiciais) —, as organizações criminosas agregam cada vez mais poder, rivalizando com o poder público, que de autor principal passa a ser mero coadjuvante.

O Estado, com a participação da sociedade civil, precisa urgentemente se organizar para desorganizar o crime. De nada adianta preparar planos e mais planos se não forem executadas as premissas de ocupar espaços e combater para valer a ação criminosa organizada, que basicamente busca ganhar dinheiro. Quanto menor o risco, melhor para os criminosos. A luta é para que o Estado diminua o espaço da atuação criminosa — que perverte a própria existência do poder público —, combatendo-a e cortando suas fontes de recursos financeiros. Recentemente, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP) participaram de reunião no Ministério da Justiça e Cidadania discutindo ações para combater o furto e roubo de veículos e cargas e apresentaram 21 propostas para auxiliar na urgente definição de estratégias de combate ao crime, especialmente nas fronteiras.

Adotando uma visão sistêmica e sistemática, fundamentalmente, foram sugeridas: a integração entre a inteligência das forças policiais (federais e estaduais), da Receita Federal, do Coaf, da Abin e das Forças Armadas, identificando os pontos mais críticos e implementando ações cooperadas; investimento em tecnologia de controle e recursos humanos, viabilizando pronta resposta de repressão; identificação da movimentação financeira suspeita, acionando os meios para reprimi-las; implantação de sistema de monitoramento de navegação no lago de Itaipu pela Marinha; desenvolvimento de Planos de Ação com os países fronteiriços e atualização legislativa.

Essas propostas estão alinhadas com anos de avaliação do fenômeno criminoso. É prova de incompetência achar que só com ações policiais pontuais será possível combater o crime. Temos que superar a ideia do Estado repartição e assumir a integração e colaboração, com ações permanentes. Essa missão não é de nenhuma organização pública isolada, é de todas. Ao lado das ações policiais, é fundamental cortar os meios de financiamento dos criminosos, e isso envolve o combate não só ao tráfico de drogas e armas, mas também ao contrabando, à sonegação contumaz, à fraude, à falsificação e à pirataria.

Essas são as fontes de recursos para as organizações criminosas que enfrentam o Estado. É nossa obrigação secá-las. Mais uma vez, achar que esse mercado ilegal não é significativo para o financiamento das organizações criminosas é clara falta de conhecimento, incapacidade intelectual ou má-fé. Cumpre ressaltar que o crescimento das organizações criminosas e a brutal corrupção são lados da mesma moeda, ameaçando os valores e princípios do Estado Democrático de Direito e o desenvolvimento do país.

Com a corrosão da ética e o descumprimento das leis, perdemos a sustentação das instituições e a possibilidade de crescimento econômico sustentável. Como resposta à pergunta do título deste artigo, precisamos de um Estado eficaz no cumprimento das suas obrigações. É hora de ação rápida e coordenada. Em suma, é hora de ação rápida e coordenada. Já estamos atrasados e com a incumbência de agir em meio ao caos.

 

Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, em 02/02/2016

(*) Edson Vismona é presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional de Combate à Pirataria (FNCP)