A batalha contra a pirataria é pelo resto da vida

Por ETCO


Por Carlos Vasconcellos, O Globo – 20/06/2005


O secretário-geral da Interpol, Ronald Noble, garante que nunca comprou um produto pirata na vida. Apesar de bastante atraído por preços baixos ? ?sou um sujeito que gosta de liquidações? ? ele garante nunca ter cedido aos produtos falsificados. Noble esteve no Brasil na semana passada para o Congresso Internacional de Combate à Pirataria e elogiou os esforços do país no combate a essa modalidade de crime. E falou da conexão entre pirataria e crime organizado:


? Já encontramos os mesmos números de telefone nas agendas de pessoas presas por tráfico e por crimes contra propriedade intelectual.


É possível vencer a guerra contra a pirataria?


RONALD NOBLE: Você quer saber se podemos eliminar a pirataria a zero? Bem, esse é um crime contra o qual temos de lutar constantemente, no varejo, nas cidades, nos países e a nível global. Temos feito progressos. Há mais pessoas no mundo, hoje, conscientes da conexão entre pirataria e crime organizado. Não era assim há um ano. Hoje, Brasil, Argentina e Paraguai conduzem sua primeira operação conjunta contra pirataria e cópias ilegais (a Operação Júpiter, coordenada pela Interpol). Pela primeira vez na história, temos setor privado, aduanas e polícias trabalhando juntos e dividindo informações. Esses exemplos mostram que avançamos, mas sempre que houver possibilidade de lucro, por meio de fraude ou golpes, criminosos estarão envolvidos. Vamos ter de lutar pelo resto da vida.


Como o senhor vê os esforços do Brasil contra a pirataria?


NOBLE: No último ano, o nível de cooperação do Brasil aumentou dramaticamente. Para o país, receber esse evento é como dizer em voz alta que há um problema na Tríplice Fronteira (entre Brasil, Paraguai e Argentina) e que o país tem de enfrentá-lo. É uma postura significativa, de não varrer o problema para baixo do tapete, de admitir que o problema existe e que para vencê-lo temos de enfrentar a corrupção naquela região. A cooperação cresceu muito e o Brasil se tornou um líder no combate a esse tipo de crime.


Qual sua avaliação sobre o treinamento especial antipirataria que a Interpol promoveu para agentes brasileiros?


NOBLE: Esperamos que o treinamento seja um dos aspectos fundamentais do nosso trabalho. Estamos tentando conseguir mais fundos para treinar mais agentes brasileiros. Você sabe que o Brasil está mandando seu primeiro agente (o superintendente da PF Augusto Serra Pinto) para trabalhar diretamente no quartel-general da Interpol, na França? Ele vai trabalhar com pirataria. O ex-diretor da Polícia Federal brasileira Armando de Assis Possa é o nosso atual chefe na Argentina, e além disso, o Rio vai sediar a Conferência Mundial da Interpol ano que vem.


O que tem sido feito nos EUA e Europa contra a pirataria?


NOBLE: Os Estados Unidos têm várias estratégias. Uma delas é a estratégia civil, que busca processar na área civil as pessoas envolvidas com violação da propriedade intelectual. A segunda é do setor privado. Temos investigadores privados e empresas tentando descobrir fábricas e centros de distribuição piratas. O setor privado também divide informações com a Interpol sobre países onde produtos piratas são fabricados ou distribuídos. E, claro, campanhas de marketing para educar o público, deixando claro que este não é um crime sem vítimas.


Como funcionam essas conexões?


NOBLE: Veja o tipo de apreensões que estão sendo feitas pela Operação Júpiter: milhões e milhões de DVDs, CDs, remédios, cigarros. Para uma pessoa fabricar milhões de CDs e DVDs, embalar, emitir notas falsas, enviar para países intermediários e então vender, você tem de ter uma cadeia multimilionária, repetindo-se cada semana ao redor do mundo. Isso é atividade clássica de crime organizado. Não é suficiente apreender produtos. Temos de conseguir os nomes das pessoas que têm os produtos, sua lista de contatos telefônicos, os endereços que usam, seus documentos falsos. Já encontramos os mesmos números de telefone nas agendas de pessoas presas por tráfico e presas por crimes contra propriedade intelectual.


O senhor concorda com a tese de que o preço alto dos produtos originais torna os piratas mais competitivos?


NOBLE: Temos de ser realistas. Sempre que houver uma diferença extraordinária de preço entre o produto legal e o ilegal, a pena for pequena e a possibilidade de condenação, baixa, você terá muito mais atividade ilegal.


O senhor nunca comprou um produto pirata?


NOBLE: Nunca. E digo mais: sou um sujeito que gosta de comprar em liquidação. Com desconto de 50% você começa a me interessar. O que temos de fazer é educar as pessoas e dizer: isso é roubo. É um trabalho diário. Compreendo, como ser humano, o que passa na cabeça de um cidadão pobre, que tem a oportunidade de comprar algo para seus filhos a um preço que pode pagar. Mas pelo crime organizado, definitivamente não tenho nenhuma simpatia.