A CPMF alemã

Por ETCO

Autor: Liana Verdini

Fonte: Correio Braziliense – Brasília/DF – COLUNAS – 31/05/2010

Em plena crise europeia — com Grécia, Espanha e Portugal no olho do furacão —, a Alemanha, na semana passada, assustou o mundo ao propor a seus pares do Velho Continente a cobrança de uma taxa para incidir sobre cada transação financeira. O dinheiro arrecadado, dizem os alemães, seria destinado à constituição de um fundo para cobrir os gastos com eventuais dificuldades financeiras futuras de instituições e para ressarcir o governo com os socorros promovidos durante a crise de 2008 e 2009.

A ideia não é nova, como sabemos muito bem, nós, os brasileiros, que pagamos durante anos seguidos a CPMF, a tal Contribuição Provisória (que acabou definitiva durante muito tempo) sobre Movimentação Financeira, mais conhecida como imposto sobre o cheque ou melhor definida como tributo sobre qualquer operação bancária que o cidadão fizesse.

A reação dos outros países europeus foi ruim, mas a Alemanha não está sozinha nessa. Em meados de maio a locomotiva da Europa promoveu um seminário para discutir o assunto em grande estilo e convidou o economista norte-americano Dean Baker, doutorado na Universidade de Michigan e codiretor do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas, de Washington, para apresentar o tema. Baker não pode ir mas mandou um documento que parece ter contribuído para convencer os alemães da viabilidade do tributo.

O economista começou lembrando que no Reino Unido — Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte — é cobrada há décadas uma taxa sobre operações em bolsa. Antes da recessão, esse tributo chegou a arrecadar 4 bilhões de libras por ano (R$ 10,5 bilhões), o equivalente a 0,3% do PIB de lá.


No Japão, durante o auge da bolha acionária dos anos 80, também foi estabelecida uma taxa sobre transações financeiras que chegou a representar 4% das receitas com impostos federais.

Defensores de peso
Baker lembrou que John Maynard Keynes, economista britânico do início do século 20 e defensor do Estado intervencionista, já advogava a instituição de uma taxação no mercado financeiro como forma de levar os investidores a pensarem no longo prazo e a afastá-los do imediatismo.


Segundo o economista norte-americano, um argumento famoso de Keynes é que “quando o mercado começa a se assemelhar a um cassino, ele dificilmente cumprirá bem sua função econômica”.


O documento listou ainda outros proeminentes economistas que já falaram a favor da taxação financeira. O ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1981, James Tobin, propôs a taxação do capital estrangeiro especulativo como forma de regular o volume de operações no mercado em determinadas circunstâncias.


Em 1989, foi a vez do também Nobel de Economia Joseph Stiglitz defender uma tributação sobre o mercado financeiro, mas para as operações de curto prazo. Outro economista Lawrence Summers, que viria a ser o secretário de Tesouro dos Estados Unidos na administração Clinton, também já advogou a favor da taxação. E vários outros, como Paul Krugman, Dennis McFadden e Jeffrey Sachs.

Apoio popular
Para mostrar que a Alemanha tinha a ganhar com a proposta, Baker contou ainda no documento que logo que a crise de 2008 se instalou, a própria sociedade civil em várias partes do mundo passou a defender a taxação, alegando que esta seria uma forma de levantar recursos para operações de ajuda a países em desenvolvimento e também para financiar o custo da redução das emissões de gases de efeito estufa.


Por fim, uma parcela dos recursos também poderia ser usada para compensar os custos das quebras financeiras resultantes de crises e o aumento do endividamento público para enfrentar um período longo de desemprego elevado. E contou ainda que nos Estados Unidos houve grande interesse pelo tema depois da crise.

E nós com isso?
Você pode estar se perguntando: E daí? A discussão não é nossa e a Europa está longe! É verdade, mas é bom lembrar que estamos em um ano eleitoral e no próximo teremos um novo governo.


E quando um imposto que já tivemos começa a ser defendido por um país desenvolvido, é bom ficarmos atentos. Essa conta pode não emplacar lá, mas pode acabar pressionando os bolsos brasileiros em um futuro próximo.


Até 2008, quando o tributo foi cobrado no Brasil, o volume arrecadado foi de cerca de R$ 40 bilhões, o equivalente a 1,4% do PIB, com uma alíquota de 0,38%. E parece bastante razoável que o tema volte a assombrar quando se lembra que os gastos públicos sobem sem parar e ao governo interessa sempre aumentar a arrecadação.