A Economia Subterrânea no Brasil

Por ETCO

Autor: FERNANDO DE HOLANDA BARBOSA FILHO*

Fonte: Revista ETCO, no.10, agosto 2008

Economia SubterrâneaDiariamente, uma parte significativa da economia brasileira opera fora do alcance do Estado. As atividades não observadas pelo Estado podem englobar desde a venda de guarda-chuvas nas ruas durante temporais, passando por fabricação caseira de bolos e pães, emprego de trabalhadores sem carteira e relato parcial da venda de determinado estabelecimento comercial. O que todas estas atividades têm em comum? Todas fazem parte do que chamamos de economia subterrânea. Nota-se, portanto, que a definição de economia subterrânea é bastante ampla o que torna seu estudo bastante complexo.

Durante muitos anos, a economia subterrânea, ou não mensurada pelos órgãos do governo, foi considerada residual, não sendo objeto de preocupação dos formuladores de política econômica. Entretanto, a partir dos anos 70 percebeu-se que o tamanho das atividades econômicas não mensuradas pelo Estado poderia representar uma parcela importante no PIB dos países.

Uma definição usualmente aceita na literatura sobre o tema é a de que a economia subterrânea é “toda a produção de bens e serviços não declarada ao governo deliberadamente para: a) evadir impostos; b) evadir contribuições para a previdência social; c) evadir o cumprimento de leis e regulamentações trabalhistas e d) evitar custos decorrentes do cumprimento de normas aplicáveis em determinada atividade”. Todas estas atividades reduzem a arrecadação de tributos, a credibilidade das estatísticas oficiais, dificultam a escolha de políticas públicas, além de levar a uma competição desigual entre firmas da economia oficial e da subterrânea. A redução da base de arrecadação tributária implica alíquotas mais elevadas sobre os que pagam impostos e, com isso, uma maior distorção tributária.

O desenvolvimento da economia subterrânea é um sinal de que existe algo de errado no aparato institucional do país. Ou seja, a economia subterrânea está se ampliando porque os custos associados à economia oficial são elevados o bastante para proporcionar ganhos aos que operam fora dela. Além de ofertar bens e serviços, não ofertados pela economia oficial, a economia subterrânea gera empregos e renda, e possui uma dinâmica própria resultante das forças de mercado que buscam uma maior flexibilidade na operação das atividades econômicas. Como um objeto não observável, logo de difícil mensuração, a análise da economia subterrânea é demasiadamente difícil, pois a mesma pode ser composta por atividades legais ou ilegais, que envolvam moeda ou escambo, por razões fiscais ou administrativas.

No Brasil, uma parte importante da economia subterrânea agrega a economia informal que, em geral, é definida como os trabalhadores que não possuem carteira assinada ou os trabalhadores que não contribuem para a previdência social. A economia informal é facilmente observada. As estatísticas oficiais sobre a economia informal indicam o quão regulado é o mercado de trabalho brasileiro que coloca em torno de 30% de seus empregados em condições diferentes da determinada legalmente 1. 
Com o intuito de estudar o comportamento recente da economia subterrânea no Brasil, o IBRE, em conjunto com o Instituto ETCO, realizou um trabalho em que o primeiro passo foi identificar de forma precisa as atividades que compõem a economia subterrânea brasileira. O segundo passo foi escolher o método de estimação e analisar as variáveis que influenciam determinada atividade na economia subterrânea. O método utilizado para estimar a economia subterrânea foi o de Múltiplas Causas e Múltiplos Indicadores (MIMIC), desenvolvido por Jöreskog e Goldberger (1975) 2 . O método MIMIC possui a vantagem de ordenar os fatores que mais afetam a economia subterrânea, o que facilita prescrições de política econômica para o problema. Uma desvantagem do MIMIC é que este método não dimensiona a economia subterrânea, mas fornece somente um índice que permite a análise do seu desenvolvimento ao longo do tempo.

O MIMIC parte da idéia de que, embora a economia subterrânea não seja observável, esta deixa alguns “rastros” na economia (os indicadores) e é incentivada por alguns fatores (as causas)3  . Os “rastros” da economia subterrânea que utilizamos foram: a fração de trabalhadores sem carteira sobre o total de empregados e a razão entre papel moeda em poder do público (PMPP) e depósitos à vista (DEP). A escolha da primeira variável é óbvia visto que a economia informal é parte da economia subterrânea. A segunda variável é escolhida porque atividades que fogem do controle do Estado buscam utilizar mais moeda do que o sistema bancário. Logo um crescimento da razão PMPP/DEP indicaria um crescimento da economia subterrânea. Os fatores selecionados por afetarem a economia subterrânea são: carga tributária, rigidez do mercado de trabalho, corrupção, exportações de produtos industrializados como percentagem do PIB e o nível de atividade econômica.

Uma elevada carga tributária estimula o crescimento da economia subterrânea, pois eleva o ganho daqueles que conseguem evadir impostos. A rigidez do mercado de trabalho é outro fator que afeta de forma positiva a economia subterrânea, uma vez que o cumprimento de toda a legislação trabalhista eleva bastante o custo da mão-de-obra. Logo, uma empresa que não cumpra todas as determinações legais reduz o seu custo. A corrupção estimula a economia subterrânea porque um agente, que não respeita a legislação vigente, possui uma saída para evitar sua punição (desde multas até mesmo a prisão ou corromper o agente da lei). As exportações contribuem de forma negativa com a economia subterrânea na medida em que a atividade exportadora é extremamente burocratizada em todo o mundo, tornando a tarefa muito difícil para uma empresa que tente operar na economia subterrânea. Por último, temos o nível de atividade econômica que, teoricamente, tem um efeito ambíguo sobre a economia subterrânea. Ou seja, a economia subterrânea pode se expandir quando o desemprego aumenta, ocorrendo uma relação anticíclica; ou a economia subterrânea pode se reduzir quando o desemprego aumenta, ocorrendo uma relação pró-cíclica.
Os resultados de nosso trabalho mostram que a economia subterrânea possui uma relação pró-cíclica com a economia formal, ou seja, quando a economia formal cresce, a subterrânea também cresce. Uma possível explicação é a de que as duas economias não são compartimentos estanques onde o trabalhador da economia subterrânea somente consome produtos da economia subterrânea, enquanto que o trabalhador da economia oficial somente consome produtos desta. Muito pelo contrário, os dois setores interagem e, com isso, a elevação da renda em um setor estimula a compra de bens e serviços no outro setor e vice versa.

Os resultados indicam, ainda, que no último ano a economia subterrânea (8,7%) cresceu de forma mais acelerada do que a economia oficial (5,4%). Este maior crescimento é fruto de diversos fatores dentre os quais podemos mencionar: maior flexibilidade para contratar e demitir da economia subterrânea, queda das exportações como razão do PIB e a elevação da carga tributária. Todos estes fatores juntos contribuem para este maior crescimento da economia subterrânea.

Como mencionado anteriormente, uma das virtudes do método utilizado na estimação (MIMIC) é a análise do impacto relativo de cada um dos fatores mencionados na economia subterrânea. Neste trabalho, verificamos que as variáveis que mais influenciam a economia subterrânea são: a carga tributária, a corrupção, o nível de atividade e as exportações. Logo, o governo poderia reduzir a economia subterrânea com políticas que levem a uma redução da carga tributária, a um combate à corrupção, à elevação das exportações ou a uma combinação de todas estas políticas.

É importante ressaltar que somente um combate à redução da economia subterrânea brasileira não seria suficiente à ampliação da economia oficial já que a mesma oferece diversas atividades que não são oferecidas quando todas as regras, leis e impostos são cumpridos. Um combate à economia subterrânea deve se concentrar em suas causas. Caso contrário, uma repressão mais severa com relação as suas atividades econômicas, ocasionaria uma elevação do desemprego, queda da renda e redução dos bens e serviços ofertados no mercado,  elevando os problemas sociais brasileiros.

* Professor da FGV e economista do IBRE-FGV. Este artigo é resultado de um trabalho realizado em parceria entre o IBRE e o ETCO. Agradeço a colaboração dos membros do con-selho do ETCO, em especial ao mi-nistro Marcílio Marques Moreira e ao professor André Montoro Filho.