A realidade caótica do serviço público

Por ETCO

Autor: Nísia Maria de Sousa Cordeiro

Fonte: O Globo, 21/11/2007

Estou há 27 anos e três meses no serviço público. Dou uma olhada para trás, para os lados e sinto tristeza. E não é uma tristeza hipócrita sobre a qual não há uma reflexão madura e até mesmo profunda sobre a temática. É antes de tudo uma vivência, uma parceria na qual entreguei os melhores anos de minha vida.
” Em qualquer instância do serviço público encontram-se funcionários indispostos, mal resolvidos com a vida “

Se algum cientista decidisse fazer um trabalho sobre direitos humanos no dia-a-dia das grandes cidades, teria subsídio suficiente para fundamentar uma monografia de relevo, fomentada por uma pesquisa-laboratório bastante eficiente. Para isso bastaria buscar os serviços das unidades públicas. Em qualquer instância você vai encontrar funcionários indispostos, mal resolvidos com a vida, despejando as próprias dores sobre os ombros dos que buscam e precisam de seus serviços.

Há uma realidade caótica nessa rede. Qualquer analista econômico ficará atônito em constatar que, apesar dos altos investimentos no setor, tudo cai aos pedaços, é fragmentado, fragilizado e, o pior de tudo, construído por pessoas que nem sabem a importância do seu trabalho para a população ou, se sabem, fingem indiferença.

O que está havendo com o serviço público? Ele foi criado para atender ao cidadão e, principalmente, ao cidadão de baixa renda que não pode arcar com os custos da rede privada. Mas ele é tratado ao rés do chão, tudo muda quando diante do mau atendimento você pronuncia um nome ou adentra ao recinto com um “padrinho”. É acintoso o tratamento recebido quando você tenta, pelos trâmites normais, resolver algo que, de justiça, é de seu direito.
” Mas há pingos de água doce nesse oceano salgado, há oásis de consciência cidadã nesse deserto de indiferença social “

Sabemos que não podemos generalizar. Há pingos de água doce nesse oceano salgado, há oásis de consciência cidadã nesse deserto de indiferença social, há resquícios de esperança nesse universo de incoerências.


A teia da vida é rompida, fala-se em direitos humanos e qualidade de vida, mas estão todos preocupados demais com as pessoas que andam à margem do “socialmente correto” para se preocuparem com os cidadãos comuns, com seu bem-estar, com sua qualidade de vida, com a sua justiça. É indiscutível que há séculos vivemos a era da impunidade…

Acomodar-se a isso? É difícil. Chegou mesmo o tempo de lembrar, numa síntese grosseira, o pensamento de Rui Barbosa, jurista e político brasileiro: “Chegará o tempo em que o brasileiro sentirá vergonha de ser honesto”.


É Rui, esse tempo chegou…