Ação judicial pode distorcer preços, alertam tributaristas

Por ETCO

Autor: Juliano Basile

Fonte: Valor Econômico – São Paulo/SP – 11/05/2010

Juliano Basile, de Brasília



O Judiciário é utilizado por empresas para pagar menos impostos do que outras, o que provoca desequilíbrio no mercado e preços mais altos para os consumidores. Esse alerta foi dado por advogados e tributaristas durante seminário do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).

A entidade, que tem grandes empresas em seu quadro de associadas, como AmBev, Coca-Cola, Pepsi, Souza Cruz e Philip Morris, quer uma nova regulamentação para impedir ações que levam a Justiça a conceder benefícios fiscais para poucas empresas em prejuízo de outras do mesmo setor. Esse problema é recorrente em grandes mercados, como o de bebidas, o de cigarros e o de combustíveis, e distorce os preços.

O objetivo do Etco é regulamentar o artigo 146-A da Constituição de 1988. Esse artigo foi incluído, em 2003, por emenda, e prevê que lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência. “O objetivo do artigo é o de coibir ações que utilizam o tributo como meio para desequilibrar o mercado”, disse André Franco Montoro Filho, presidente-executivo do Etco.

Para o advogado Hamilton Dias de Souza, há um excesso de liminares em alguns setores e elas perturbam a concorrência, pois o Judiciário demora a analisar os processos. Com isso, algumas empresas pagam menos impostos do que outras e isso interfere na formação dos preços.

“As desonerações de ICMS podem levar a preços diferentes”, disse. Ele mostrou uma tabela sobre o mercado de sabonetes em que, com o ICMS a 0%, o lucro das empresas chegava até 38%. Por outro lado, quando o ICMS chegava a 18%, o lucro caía para zero. No mercado de automóveis, essa variação pode superar os mil pontos percentuais, enfatizou.

Para o advogado Luís Eduardo Schoueri, existe uma crença de que a legislação tributária só provoca efeitos na arrecadação. “Nós temos que acabar com esse mito. A legislação tributária mexe com a economia como um todo.”

Os advogados citaram pelo menos três casos paradigmáticos em que o problema foi analisado. O primeiro foi uma consulta feita pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no fim dos anos 90. Na época, era bastante comum a “guerra fiscal” entre os Estados – concessão de incentivos tributárias para atrair indústrias. O Cade firmou o entendimento de que a “guerra fiscal” prejudica a concorrência.

O segundo caso foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o mercado de combustíveis. No começo da década de 2000, empresas do setor entravam com pedidos de liminar para obter desoneração fiscal na compra de combustíveis da Petrobras. O caso chegou ao STF que, num primeiro momento, por decisão do então presidente Marco Aurélio Mello manteve a liminar. O governo recorreu ao plenário da Corte que, numa decisão inédita, cassou a liminar.

O terceiro caso ocorreu no mercado de cigarros, no qual o pagar ou não tributos provoca grandes diferenças de preços. Neste caso, o STF entendeu que pode existir regras específicas para que os fabricantes de cigarros cumpram exigências fiscais.

Mariana Tavares de Araújo, secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, disse que os Estados que se sentirem prejudicados por conta de conflitos tributários devem recorrer ao STF, e não ao Cade. “Mas existe um papel de difundir a cultura da concorrência”, completou, referindo-se ao órgão. Para o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Rafael Favetti, o Judiciário exerce um papel fundamental em questões fiscais. “Hoje, não há política fiscal e tributária sem que o Judiciário participe.”