Cautela da Justiça deve ser ajustar ao dinamismo econômico

Por ETCO

Autor: Aline Pinheiro

Fonte: Consultor Jurídico, 06/10/2007

É fato que Judiciário e Economia têm um tempo diferente. Enquanto a Justiça é naturalmente mais lenta, pois tudo tem de ser bem analisado para que não sejam cometidas injustiças, a economia é dinâmica. Basta passar algumas horas em uma Bolsa de Valores para ver como tudo muda em segundos. O desafio, para economistas e membros da comunidade jurídica, é integrar as duas áreas, já que uma tanto influencia na outra.

Essa necessidade de integralização foi tema do segundo seminário do ciclo de debates promovido pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), em São Paulo, na quinta-feira (4/10). O objetivo do evento foi analisar a influência das decisões judiciais na Economia e das decisões econômicas na Justiça.

“Há quase uma rivalidade entre magistrados e economistas”, reconheceu o ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça. Ele admite que segurança jurídica e celeridade são dois princípios que se chocam. Quanto mais proteção se dá ao cidadão, mas demora o julgamento no Judiciário.

Esse choque entre o dinamismo da Economia e a cautela do Judiciário é evidente quando se analisa o balanço de julgamentos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). De 2000 até setembro de 2007, o Cade condenou ou restringiu práticas no mercado em 269 processos do total que chegou lá. Por ano, mais de uma centena de processos envolvendo o Cade chega ao Judiciário. Esses dados mostram como é importante os dois tentaram uma integração, já que a defesa da concorrência quase que invariavelmente acaba na Justiça.

Elizabeth Farina, presidente do Cade, apresentou casos em que a demora da Justiça impede a efetiva aplicação do que decidiu o Cade. Por exemplo, no caso do cartel do aço plano. O Cade condenou o cartel em 1999. Até hoje, a condenação não foi aplicada porque a questão está sendo discutida na Justiça. Outro exemplo mais gritante dos choques de tempo é o cartel dos vergalhões. O julgamento administrativo ficou seis anos suspenso por conta de liminares judiciais. Em 2005, foi finalmente concluído, mas até agora aguarda a resolução judicial para que a condenação administrativa seja aplicada.

Para Elizabeth, essa demora judicial combinada com o fato de que as operações no Brasil são analisadas a posteriori — por exemplo, um ato de concentração só é analisado depois que ocorrer — incentiva as empresas a procurarem o Judiciário. Assim, enquanto a Justiça não decide, podem continuar com as práticas, muitas vezes nocivas ao mercado. Quando surge, de fato, a condenação, que pode ser uma multa ou obrigação de fazer e não fazer, ela pode ter deixado de fazer sentido devido à dinâmica da Economia. Às vezes, alerta Elizabeth, os danos à coletividade são irreversíveis.

Proteção dos mais fracos


Para o economista e ex-ministra da Fazenda Maílson da Nóbrega, há outra característica da Justiça brasileira que provoca efeitos danosos na Economia do país. “Somos herdeiros da tradição de que o Estado tem de proteger o hipossuficiente.” Para Nóbrega, é um costume brasileiro desrespeitar os contratos e, na sua ânsia de proteger o mais fraco, o Judiciário faz parte desse costume. “O papel do Judiciário deveria ser fazer cumprir os contratos e proteger o direito de propriedade.”

Para o economista, a visão anti-credor que ele enxerga na Justiça brasileira espanta investimentos. Isso diminui a segurança jurídica e, consequentemente, o financiamento, diz. “O Rio Grande do Sul é o estado que tem menos crédito porque lá existe a Justiça alternativa. Para essa Justiça, o direito é sempre do devedor.”


O ministro Asfor Rocha justifica que o Judiciário tem de considerar outros princípios jurídicos ao analisar os contratos, e não apenas a Economia. O choque entre as duas áreas, então, fica evidente. E na sua integralização encontra-se uma das saídas para o desenvolvimento do país.