Com 1/3 da renda do país, setor informal resiste à retomada

Por ETCO

Fonte: Folha de S. Paulo, 09/01/2005








Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Ambulantes vendem mercadorias na ladeira Porto Geral, no centro de SP; comércio de rua é um dos principais focos da informalidade

Por Claudia Rolli e Fátima Fernandes


A retomada da economia brasileira não alterou a informalidade estruturada no país, que hoje atinge de 35% a 40% da renda nacional, como estimam o Banco Mundial e o governo federal.
Emprego, arrecadação de impostos e contribuição à Previdência subiram em 2004 – sinal de que a informalidade perdeu força no mercado de trabalho.


Mas o contrabando, a pirataria e a sonegação fiscal, que também compõem a economia informal, não param de crescer, segundo empresários e especialistas. Eles consideram que essa é uma tendência mundial até para enfrentar a forte concorrência com a China.


“Quando a economia cresce, melhora o mercado de trabalho formal, como vimos no ano passado, com o aumento da contratação com carteira assinada. Mas a informalidade é uma tendência mundial que faz parte da lógica de produção. Além do mais, a concorrência com a China não é nada fácil”, diz Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP.


Pesquisa do Banco Mundial com 133 países mostra o Brasil no 9º lugar do ranking da informalidade -a economia não-declarada no país representa 39,8% da renda nacional bruta. Está acima da média dos países -32,5%.


O fenômeno se manifesta de várias formas em diferentes setores, segundo estudo da McKinsey & Company: contratação irregular de trabalhadores, compra e venda de produtos sem nota, falsificação de mercadorias, violação de direitos autorais, adulteração de produtos e sonegação fiscal.


A indústria têxtil brasileira é uma das mais atingidas pela informalidade. O setor fatura cerca de US$ 13 bilhões por ano. Outros US$ 5,2 bilhões são movimentados anualmente na economia paralela, segundo a Abravest, associação que reúne as confecções.
As fábricas de roupas chegaram a faturar US$ 20 bilhões nos anos 80. “A informalidade tomou conta do setor”, afirma Roberto Chadad, presidente da associação.


Empresários do Brás, zona leste de São Paulo, onde estão cerca de 6.000 confecções, admitiram à Folha que não pagam integralmente os impostos nem contratam com registro. Se obedecem a lei, fecham as portas, afirmam.


Na indústria de brinquedos, a perda com contrabando e pirataria chega a R$ 100 milhões por ano, o que equivale a 10% do faturamento do setor. Na de instrumentos musicais, o percentual é de 18% da receita anual.


Cerca de 58% das vendas de óculos estão nas mãos dos contrabandistas. Isso equivale à perda de R$ 350 milhões por ano -metade do faturamento do setor.


De cada dez eletrônicos portáteis, como rádio-relógios e gravadores, quatro são vendidos sem nota, informa um fabricante do setor. No mercado de CDs, as cópias piratas equivalem a 50% das vendas -em 1997 não ultrapassava 5%, segundo fabricantes.


No setor farmacêutico, o índice de informalidade atinge cerca de 30% das vendas -em 1997 não passava de 10%. No de combustíveis, a 10%, de acordo com o estudo feito pela Mckinsey.


A BSA (Business Software Alliance) e a Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software) informam que o índice de pirataria de software no país é de 61%. Isso leva à perda de R$ 519 milhões por ano – o índice médio de pirataria no mundo é de 36% e gera prejuízo ao setor de US$ 29 bilhões por ano.


O “mercado cinza” de computadores deu um salto nos últimos cinco anos no país. Em 1999, os PCs piratas representavam cerca de 59% das vendas no país. Em 2003, 70%. As estimativas para o fim de 2004 se aproximavam de 74%, segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica).


Dos 150 bilhões de cigarros comercializados por ano no país, 35 bilhões entram no país de forma ilegal, vindo do Paraguai, do Uruguai e da China. Esse contrabando resulta em evasão fiscal de R$ 1,4 bilhão. No setor de cervejas e refrigerantes, a evasão, que ocorre em toda a cadeia produtiva, é quase do mesmo tamanho: R$ 1,3 bilhão, segundo a Mckinsey.


Nos cálculos da Organização Mundial das Aduanas, a pirataria representa 9% do comércio mundial e movimenta R$ 1,25 trilhão por ano. No Brasil, R$ 56 bilhões por ano. A arrecadação perde cerca de R$ 84 bilhões anuais e 2 milhões de empregos são ceifados, conforme a CPI da Pirataria.


Para empresários e especialistas, a informalidade é reflexo da elevada carga tributária -chega a 40% para alguns produtos-, da alta burocracia, da complexidade de leis, da lentidão da Justiça e da fiscalização pouco eficiente.


“Chegamos a um ponto em que a informalidade faz parte da cultura do brasileiro. O crime compensa, já que o lucro é grande”, diz Emerson Kapaz, presidente-executivo do Instituto Etco, organização não-governamental para defesa da ética nas empresas.


O consumidor acaba apoiando o mercado informal até porque está sempre preocupado com o bolso. “Essa já é a minha terceira bolsa Louis Vuitton. Não me importo em comprar o “falsifiquê” [produto falsificado]”, afirma Jô Belluco, 37, gerente de eventos.
Para empresários e economistas, mesmo que a economia cresça 10% ao ano, o impacto sobre o mercado informal é improvável.