Editorial – Burocracia jurídica gera impunidade

Por ETCO

Fonte: Jornal do Brasil, 23/06/2009

A burocracia jurídica engessa as investigações e reflete no baixo índice de condenações quando as ocorrências são julgadas no âmbito do Judiciário. O que o senso comum já havia percebido, agora foi corroborado por pesquisa acadêmica a ser divulgada mês que vem, em Brasília. O estudo põe em xeque o atual sistema de investigação, amparado na figura do inquérito policial, e joga luz sobre os tortuosos descaminhos que fazem do Brasil um dos países símbolos da impunidade.

Encomendado pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e executado por especialistas em segurança recrutados em universidades públicas e particulares, o levantamento foi realizado durante mais de um ano em cinco unidades da Federação: Rio de Janeiro, Minas Gerias, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Os resultados inéditos, aos quais o Jornal do Brasil teve acesso, evidenciam a ineficiência da máquina judicial – amparada em leis defasadas e em corporações policiais presas, na maioria das vezes, à formalidade do sistema jurídico.

O levantamento sobre homicídios em Brasília – local do país onde melhor se investiga esse tipo de crime – revela que o índice de soluções na polícia chega a cerca de 70%, mas cai para 18% na emissão da sentença do criminoso. A impunidade é ainda mais assustadora em Pernambuco, onde a polícia soluciona apenas 3% dos casos. No Rio, o índice fica abaixo de 10% – o que explica o enorme volume de inquéritos e processos amontoados nos arquivos de casos insolúveis. No restante do país, a média oscila em torno de 10% (muito distante do nível que a sociedade exige).

Um dos méritos da pesquisa foi o acompanhamento de toda a trajetória da investigação e a comparação do desempenho da máquina judicial brasileira com a de países como Argentina, Espanha e França. Para tanto, os pesquisadores investigaram o trajeto de 13 modalidades criminais, do registro do boletim de ocorrência (BO) até a decisão definitiva no Judiciário (o trânsito em julgado de um processo penal), a fim de avaliar o desempenho de investigadores, delegados de polícia, promotores e, na etapa final, a sentença do juízo singular e sua confirmação por instâncias superiores. Foram realizadas centenas de entrevistas com policiais, promotores e juízes para demonstrar que há também um sério conflito entre os operadores da Justiça. O principal deles é uma espécie de “guerra fria” separando delegados de polícia (federais e civis) e os agentes que atuam na linha de frente das investigações.

De fato, a figura do inquérito policial, em desuso nos países que aprimoraram o sistema judicial, tem mais serventia para dar um poder desproporcional aos delegados do que no combate à impunidade. Nas palavras do agente Marcos Wink, presidente da Fenapef, patrocinadora da pesquisa, “a polícia perde anos fazendo uma investigação e quando o inquérito chega ao Judiciário, começa tudo de novo”. O agente sugere a adoção de um relatório de investigação completo, que seria suficiente para a denúncia e a sentença. O inquérito, diz ele, gera toda uma burocracia cartorial, dispensável para a missão de se fazer justiça.

Com os dados compilados pela pesquisa, que serão divulgados em evento que contará com a presença de autoridades da área de segurança pública, os legisladores terão em mãos matéria-prima para uma profunda e necessária reforma no modelo judicial em vigor. O cidadão brasileiro está à espera.