Entrevista – Everardo Maciel: Reforma tributária ampla não passa de blá-blá-blá

Por ETCO

Autor: Elaine Cotta e Carla Jimenez

Fonte: Brasil Econômico – São Paulo/SP – 31/05/2010

Para o engenheiro Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, mudanças no sistema tributário são feitas aos poucos, num processo contínuo, e todos os governos promovem as suas.

“Nós vamos fazer uma reforma que vai simplificar o sistema tributário brasileiro, elevar os níveis de competitividade da economia, aumentar a produtividade e que vai também melhorar os aspectos relacionados à justiça fiscal, que vai beneficiar o trabalhador brasileiro, reduzir a incidência sobre os mais pobres e de tal sorte aumentar a progressividade…”

E segue: “Vamos fazer uma reforma tributária abrangente, não vai faltar vontade política etc etc etc.”

Esse é o discurso politicamente correto proferido pelos candidatos à presidência e reproduzido facilmente e em tom de brincadeira pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, para quem as promessas de reforma ampla e abrangente do sistema tributário brasileiro não passam de blá, blá, blá.


“Reforma tributária se faz aos poucos e constantemente”, afirmou Maciel, de 63 anos, durante conversa de mais de duas horas com o Brasil Econômico na última quinta-feira (27).

Para o ex-secretário da Receita e hoje um dos consultores da área tributária mais requisitados do país, promover uma reforma via alterações constitucionais, como a que tramita no Congresso Nacional, é um erro. Ele também questiona pesquisas como a divulgada na semana passada, que mostram que o brasileiro trabalhou 148 dias do ano só para pagar tributos.


“Esses dados são baseados em estudos sem o menor fundamento metodológico ou credibilidade”, avalia. E conclui com outra opinião polêmica: “concordo com a Hillary Clinton quando ela diz que o sistema tributário brasileiro deveria ser exemplo para outras nações da região”, diz, repercutindo declaração feita pela secretária de estado americano, alvo de críticas e até de chacota entre economistas e empresários brasileiros.

A seguir os principais trechos da entrevista:

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, elogiou o sistema tributário brasileiro recentemente e virou alvo de críticas no Brasil. O Senhor concorda com ela?


Eu concordo com ela. O Brasil tem um sistema tributário eficiente, que deve ser visto como modelo para muitos países, especialmente da América Latina. O objetivo do sistema tributário é arrecadar e o nosso arrecada muito bem.

Mas é o peso dessa carga tributária o principal alvo das críticas no país…


O sistema brasileiro tem problema? Claro que tem. Mas todos os sistemas tributários são imperfeitos, não existe cobrança de tributo perfeita.


Em qualquer país do mundo, empresários e cidadãos reclamam de pagar imposto.


O sistema tributário é e sempre será um território de tensões. Mas o tributo é um mal necessário e o Brasil tem um modelo que segue o padrão internacional.

Este é o problema: cobra-se muito imposto sem a prestação de serviços públicos essenciais.


Sim. Mas então, o problema não é o valor cobrado e sim a má utilização do dinheiro arrecadado. Ou seja, não é a carga tributária que é o problema, pois a carga que temos é do tamanho do que gastamos. O problema é a qualidade do gasto no Brasil.

E a incidência de impostos maior para os mais pobres…


Quando o imposto incide sobre a renda, isso não é verdade.

Como assim? Há pesquisas que mostram o impacto nocivo dos tributos sobre a renda do trabalhador brasileiro.


Tudo isso é mentira. São estudos mal feitos, sem a mínima credibilidade e metodologia. Eles fazem a conta como se a cobrança fosse só uma e igual para todo mundo.


Às vezes, quando ouço as pessoas que fazem esses levantamentos, dá vontade de mandar internar. A progressividade e a justiça fiscal são uma junção do que se gasta e do que se arrecada.


O conceito de justiça fiscal tem que alcançar equilíbrio entre receita e despesa. Os levantamentos que são feitos no Brasil são ridículos, sem nenhuma metodologia e não merecem a mínima credibilidade.


Não tem estudo sério no país sobre o tema. Todo imposto é custo e é bobagem dizer o contrário.

O Brasil não está atrás quando se analisa competitividade versus carga tributária?


Do ponto de vista da carga tributária, você pode separar os países do mundo em três categorias:


    * 1) Os que investem no bem estar social, com carga entre 40% e 45% do PIB, no qual estão nações da Europa;
    * 2) Os liberais, onde se encaixam Estados Unidos, Japão, Chile e no qual eu colocaria também a China, que têm tributos em torno dos 30%;
    * 3) Os que não são nada. Aqui estão os africanos e os sul-americanos.

Onde entra o Brasil?


O Brasil tem um sistema tributário eficiente, que não se compara com os latino-americanos, com exceção do Chile.

Em qual categoria estamos?


Estamos no meio do caminho do primeiro e do segundo, mas na verdade não existe nada que se pareça com o nosso sistema.

Por quê?


Porque o Brasil tem excesso de conceitos de tributação inseridos na Constituição Federal.

A reforma que tramita no Congresso pode mudar isso?


Não. Nunca ouvi falar de ninguém que tenha ficado famoso na história por ter tirado algo da Constituição. Ninguém ficou conhecido por fazer uma emenda supressiva. Fica conhecido o cara que criou e não o que tirou.

E o que isso significa?


Significa que fazer reformas tributárias no Brasil por via constitucional não melhora nada. Aliás, todas as reformas que eu vi. E olha que eu acompanhei todas de 1965 para cá – só conseguiram piorar o que já existia.

Por que piorou?


Porque como a Constituição dá trabalho para mudar, abre-se espaço para os lobbies e para a barganha política. Portanto, cria-se uma armadilha mortal.

E se a reforma enxugar o texto?


É quase impossível (suspiro). Só não digo que é impossível porque nada é peremptório na vida.

O que os candidatos defendem quando dizem que farão uma reforma tributária completa?


Isso é discurso. Vou ditar um para você agora: “Vamos fazer uma reforma que vai simplificar o sistema tributário, elevar os níveis de competitividade da economia, aumentar a produtividade, vai também aumentar os aspectos relacionados à justiça fiscal, que vai beneficiar o trabalhador brasileiro, reduzir a incidência sobre os mais pobres e de tal sorte aumentar a progressividade e etc etc etc.


Esse é o discurso politicamente correto dos candidatos. É puro blablablá. Não quer dizer nada.

Quer dizer que uma reforma ampla não poderia ser feita?


Sim. O discurso deles segue por aí também: “vamos fazer uma reforma abrangente, não vai faltar vontade política…” Mas isso não existe. Não é possível.

O que é possível então?


Em primeiro lugar, a reforma tributária deve evitar o quanto possível mudanças constitucionais porque na maioria das vezes não há necessidade alguma disso.


Segundo, evitar experimentalismos. Não há uma reforma única. Ela é permanente e deve ser feita à medida que os problemas apareçam. O segredo é simplificar, não complicar. Mas isso é muito difícil.

Por que simplificar é difícil?


Porque muita gente vive da complexidade nos tais aparelhos burocráticos. O problema está nos corpos burocráticos. São eles que falam não à simplificação. Esse é o grande ponto.