Luta pela ética

Por ETCO

Fonte: Revista Forbes – 27/06/04

Por MARCELO DE VALÉCIO







O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Emerson Kapaz, 49 anos, esteve à frente de importantes fóruns de debate da ética e da cidadania. Na década de 80, fundou com um grupo de jovens empresários o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que visava a criar um sistema de representação empresarial consciente política e socialmente. Participou, ainda, da criação da Fundação Abrinq e do Instituto Ethos.


 


Paulistano, desquitado e pai de três filhos, Kapaz é engenheiro civil, com pós-graduação em Administração de Empresas pela FGV-SP. Iniciou a carreira de empresário na Elka Plásticos, companhia de brinquedos fundada pelo pai. Logo tornou-se presidente do sindicato paulista do setor de brinquedos. Também atuou na Fiesp, na qual perdeu a disputa pela presidência, em 1992. Foi secretário de Ciência e Tecnologia do governo Mario Covas e depois deputado federal. Nesta entrevista a Forbes Brasil, destaca o quanto o País ganhará se vencer a guerra contra a informalidade.


Esportista, o empresário tem na corrida o lazer preferido e está treinando para a meia maratona de Buenos Aires, em setembro.Já correu a do Rio de Janeiro no ano passado. Treina na USP ou no Ibirapuera de três a cinco vezes por semana. Recentemente, descobriu na fotografia o passatempo predileto.


O País precisa de um choque de ética nos negócios?


O Brasil paralelo é assustador. Criou-se um nocivo ambiente de desobediência civil generalizada. Perto de 60% dos funcionários não têm registro em carteira e 40% da renda bruta do País está na economia informal. De acordo com estudo da FGV com 50 mil pequenas empresas,apenas 15% pagam tributos. No setor agropecuário, a situação é mais grave, o nível de informalidade chega a 90%. Estimamos que na construção civil cerca de 80% esteja na informalidade. No varejo dá para contar nos dedos as empresas totalmente regulares. A informalidade cria um empresário acuado, refém do sistema. É preciso romper esse ciclo. Se nada for feito,em um ano teremos até 50% das empresas na informalidade.


Qual o efeito desses números na economia brasileira?


União,Estados e municípios perdem em arrecadação mais de US$ 50 bilhões por ano com contrabando, sonegação e falsificação. Isso representa 33% do total que arrecadamos em impostos. Sem falar na imagem do País.A América do Sul tem a maior média de informalidade do mundo e o Brasil está 40% acima da média do continente.A economia informal possui apenas um terço da produtividade do setor formal. Além disso, não tem acesso a financiamento, só faz negócios com outras firmas informais e não tem espaço para crescer,pois se cresce, desperta atenção da fiscalização. O Brasil não cresce de forma sustentável desse modo. Que investidor vai aplicar recursos num cenário como esse?


Quais são as causas da informalidade?


A questão tributária é o ponto central da questão.O governo aumenta os impostos porque a arrecadação cai com o aumento da informalidade, que volta a crescer porque as empresas não têm como pagar e competir com as informais. Aí entramos num círculo vicioso perverso. Muitas companhias abertas fecharam o capital, com receio de mostrar seus balanços. Outros fatores são a burocracia exagerada para abrir e fechar uma firma, a inflexível legislação trabalhista, as insuficientes condições de trabalho dos vários órgãos de arrecadação e fiscalização e a lentidão da Justiça.


A pirataria e o contrabando são problemas que precisam ser enfrentados, mas que em alguns casos esbarram em questões sociais, como os camelôs. Como o senhor avalia a questão?


É preciso desmitificar a idéia de que economia informal é problema de camelô. É algo ramificado em diversos setores da sociedade, em que se enquadram juízes, políticos e empresários corruptos. A teia precisa ser desfeita enquanto é possível. Ao mesmo tempo, tem de ampliar a punição, porque a lentidão da Justiça estimula a ilegalidade. Não podemos dar as costas para esses problemas e achar que é assim mesmo. Precisamos nos indignarmos. É como a favela, que foi crescendo, todo mundo achando normal. Pois ela virou o berço da droga. Da mesma forma, a informalidade é a creche da corrupção. Onde o Estado não está presente, é campo fértil para o crime organizado agir.A prisão do contrabandista Law Kin Chong é exemplo de um bom trabalho,mas é apenas a ponta do iceberg.O Brasil responde por 10% da pirataria mundial. O Lobão (Roberto Eleutério da Silva, condenado a 22 anos por contrabando) tem 11 fábricas de cigarro e 300 caminhões no Paraguai para trazer produtos falsificados para o Brasil. Cerca de US$ 10 bilhões do contrabando que entra no Brasil vem do Paraguai, que é o centro mundial de distribuição de produtos falsificados. O país vizinho não tem condições de resolver sozinho o problema, apesar dos esforços que seu governo empreende. O Brasil precisa apoiá-lo, inclusive financeiramente. Mas o problema da ilegalidade não é apenas contrabando.As liminares contra a cobrança da Cide e o ICMS e a adição de solvente ou álcool na gasolina, além de prejudicar o consumidor, provocam um rombo no setor de combustíveis.


Que soluções o senhor sugere para o mercado informal perder fôlego?


É necessário atrair para a economia setores que estão fora.Premiar com a redução da burocracia e dos impostos na folha de pagamento e adotar medidas que tornem o Judiciário mais ágil e preparado para assegurar direitos de propriedade intelectual e industrial. Outra alternativa seria criar um Simples gigante. Esse sistema de arrecadação é ótimo, não existe empresa que queira sair dele. Não adianta importar modelos de outros países,o brasileiro quer um sistema fácil, simples e rápido, senão não vinga. Não podemos ter mais do que quatro ou cinco grandes impostos.O governo precisa entender que é possível reduzir os tributos sem perder arrecadação. São Paulo conseguiu. Diminuiu a carga de impostos na cadeia do álcool de 25% para 12% e mesmo assim a arrecadação subiu 7%. É preciso vontade política. Existem 50 alíquotas de ICMS no País.Cada Estado tem uma política para esse imposto. Além disso,o governo precisa dar sinais concretos de que o combate à ilegalidade é uma prioridade. Criar um programa nacional administrado por um comitê interministerial, coordenado pela Casa Civil ou pela Fazenda.


Que resultados práticos a redução da informalidade pode trazer ao País?


Se a informalidade cair 1% ao ano, o PIB per capita cresce 7% no mesmo período, invertendo a tendência da última década. Nos últimos 20 anos, o crescimento médio do PIB per capita foi de 0,5% ao ano. Se o PIB cresce abaixo de 2,1%, o PIB per capita é zero. A queda da renda da população culminou na retração do consumo e no aumento da violência nas cidades. Quando a informalidade perde força, o número de empregos, a arrecadação e os investimentos públicos crescem.A economia como um todo é estimulada e o crime organizado perde força.


Como o senhor avalia a questão ética no campo corporativo?


Não é possível conviver numa sociedade em que a ética não é prioridade.As empresas sabem que se forem displicentes com as questões sociais e o meio ambiente terão problemas no mercado. O desafio é o consumo consciente. As pessoas têm de serem responsáveis com os recursos naturais e no consumo de produtos industrializados, energia, combustíveis. O padrão americano de consumo é um hoje um problema. Se todos os países atingissem o mesmo patamar, precisaria existir três planetas Terra para dar conta.