Momentos de ação

Por ETCO

Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2005

Por Emerson Kapaz



Existem duas imagens que definem à perfeição a palavra pirata. Uma retrata os antigos saqueadores dos mares que exigiram atitudes enérgicas por parte de Pompeu e Julio César nos idos da Roma antiga e causaram intermináveis pesadelos aos governos da Europa e das Américas até o século 19. A outra, bastante atual, diz respeito ao que poderíamos chamar de novos terroristas, personagens que, agindo na ilegalidade, falsificam produtos, marcas e patentes, golpeando duramente as economias. No Brasil, são hoje responsáveis por prejuízos da ordem de R$ 18 bilhões, incluindo redução da arrecadação de impostos em R$ 3 bilhões, além da eliminação de cerca de dois milhões de empregos formais, segundo dados oficiais.


Esses números se adensaram porque os piratas sempre foram vistos não como vilões, mas como uma espécie de mal necessário. De um lado, acreditavase que o comércio de mercadorias falsificadas servia para atenuar as dores do desemprego. De outro, prevalecia a visão errônea, às vezes nutrida por um nacionalismo ultrapassado, de que o descaso com relação à propriedade industrial servia, em certa medida, de antídoto contra a defasagem tecnológica, compensando a carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Agora, esse tempo acabou.


As 92 medidas que serão levadas à prática por decisão do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual são emblemáticas dessa rejeição. Os especialistas em idéias alheias vão sentir com intensidade o braço pesado da lei. O cerco a que passam a ser submetidos envolvem um vasto arsenal de medidas de curto, médio e longo prazos. Na primeira rubrica, podese alinhar a criação de divisões especializadas na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária, além de recomendação ao Poder Judiciário para criar varas, também especializadas, para julgar crimes no campo da propriedade intelectual. Também haverá um seminário, no âmbito dos países do Mercosul, para discutir o tema da pirataria.


Entre as ações de médio prazo, há a capacitação e treinamento de pessoal com o apoio de organizações internacionais, mais a cooperação com países membros do Mercosul e fronteiriços. Haverá, também, a criação de produtos populares, a preços mais baixos, de modo a inibir o consumo de produtos pirateados. Será criado um sistema de descontos para estudantes, idosos e associações comunitárias. As ações de longo prazo começam com políticas comuns no campo educacional para esclarecer a população quantos ao malefícios da pirataria. Desdobramse em treinamento para agentes da Receita Federal e secretarias de fazenda estaduais, reforço constante da fiscalização, organização de banco de dados integrado em todo o país e em conexão com bancos de dados internacionais, campanhas de marketing e parcerias cada vez mais sólidas com o setor privado. Na verdade, o cerco aos piratas já começou.


Está ficando distante o tempo em que se pirateavam gasolina, cigarros, bebidas, brinquedos, remédios, CD?s, equipamentos de informática, enfim, um sem número de produtos, sem que nada ou quase nada acontecesse. Pirataria passou a ser crime de verdade. Os responsáveis por tal prática estão sendo presos, as mercadorias destruídas. É um momento singular na história das últimas quatro décadas.


O Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual testemunha a mudança de perspectiva. Ao reunir representantes da sociedade civil, de sete ministérios e representantes do Congresso Nacional, transforma o enfrentamento da pirataria em prioridade estratégica. Acaba com a impunidade. Afirma o conceito moderno que a propriedade intelectual, as marcas e os produtos de empresas éticas, aquelas que cumprem os compromissos legais, existem para ser respeitados.


Com isso, uma evidência se impõe: o Brasil não é mais o paraíso do desrespeito à propriedade intelectual, como possam imaginar alguns países vítimas da pirataria em escala universal, a exemplo dos Estados Unidos, que ameaçam retirar as nossas exportações do Sistema Geral de Preferências. Punições dessa natureza estão fora de época e de lugar. Pois o Brasil está transitando para ser, sim, uma referência internacional em atitudes práticas, que não deixam dúvidas quanto à sua seriedade e determinação, para se inserir, de forma saudável e competitiva, na moderna comunidade internacional.



Emerson Kapaz é presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO