O bom trabalho da CPI da Pirataria

Por ETCO

Editorial, O Estado de S. Paulo, 16 de agosto de 2004


Enquanto a CPI do Banestado se desviava de suas finalidades, quebrando o sigilo telefônico, fiscal e bancário de milhares de pessoas – um volume de informações que os membros da Comissão não teriam condições de analisar e que só foram coletadas porque poderão servir mais tarde a propósitos políticos e pessoais ilícitos – e chegando a um beco sem saída, outra Comissão Parlamentar de Inquérito, a da Pirataria, concluiu seus trabalhos apresentando resultados bastante satisfatórios. A CPI da Pirataria não fugiu a seus objetivos, não enveredou pelos desvãos da baixa politicalha e da chantagem e acabou produzindo sugestões muito úteis para a redução de um crime que prejudica empresas e o País: a violação dos direitos intelectuais e de propriedade. Funcionou, também, como um alerta contra os aspectos nocivos do comércio ilegal, disseminado a ponto de tornar-se socialmente aceitável.


A CPI sugeriu a criação de um Conselho Nacional de Defesa da Propriedade Intelectual e Combate à Pirataria – medida que o governo implementará nos próximos dias. Elaborou um projeto de lei, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que modifica a legislação atual de combate à pirataria, criminalizando condutas de divulgação da venda de matérias-primas e produtos falsificados, aumenta a pena mínima em todas as modalidades criminosas relacionadas com a pirataria e autoriza a doação de mercadorias apreendidas a entidades sociais. Sugeriu, também, que o Congresso aprove lei que proíba comerciantes que vendam mercadorias contrabandeadas, pirateadas ou falsificadas de exercer a profissão.


Durante as investigações, foram denunciadas mais de 100 pessoas envolvidas em esquemas de falsificação de mercadorias e indiciados 55 fraudadores.


Todas essas medidas visam a proteger o consumidor que, atraído por pechinchas, compra contrafações de produtos achando que fez um bom negócio.


Ao fazê-lo, corre o risco de danificar seus equipamentos eletrônicos e de informática, mas o principal é que sustenta uma verdadeira máfia de sonegadores de impostos e lavadores de dinheiro, muitas vezes obtido através de atividades ilegais que o cidadão comum já não suporta, como o narcotráfico, o roubo de veículos, o seqüestro de pessoas – enfim, o crime organizado.


A CPI estima que a pirataria, a falsificação de produtos e o contrabando provocam uma perda anual de arrecadação que chega a R$ 15 bilhões.


Representantes dos setores produtivos mais atingidos por esses crimes fazem estimativas menos conservadoras. Segundo eles, a perda de arrecadação tributária pode chegar a R$ 30 bilhões anuais. O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software afirma que os US$ 3,8 bilhões que o setor fatura anualmente no Brasil poderiam chegar facilmente a US$ 6,1 bilhões, não fosse a pirataria de programas de computador.


Além dos prejuízos financeiros causados às empresas e ao Tesouro, a pirataria, a falsificação e o contrabando produzem malefícios sociais diretos. Os fraudadores, assim como o lojista e o camelô que vendem produtos pirateados, com suas atividades criminosas, eliminam do mercado cerca de 15 milhões de empregos regulares.


Além disso, o Brasil tornou-se um dos maiores paraísos mundiais da pirataria – o País está entre os maiores mercados ilegais de fitas de vídeo e áudio do mundo – e com isso sujeita-se a sanções comerciais que os países desenvolvidos aplicam aos países onde as leis de propriedade intelectual não são respeitadas. A lei brasileira é uma das mais avançadas do mundo, mas isso não impediu que o governo dos Estados Unidos incluísse o País em sua lista de nações sujeitas a sanções. Com a implementação das sugestões propostas pela Comissão Parlamentar de Inquérito e uma fiscalização mais intensa – que a Polícia Federal começou a fazer, especialmente na fronteira com o Paraguai, por onde entra parte considerável dos produtos falsificados -, o Brasil certamente sairá da lista negra, afastando-se, assim, a possibilidade de que seja punido com a perda do status de nação mais favorecida, o que significaria o fechamento de 2% a 4% do mercado norte-americano para produtos brasileiros.