O mito da cumulatividade

Por ETCO

Autor: Marcos Cintra

Fonte: Diário da Manhã – GO, 01/07/2009

Os críticos dos tributos cumulativos afirmam ser este o maior problema da proposta do Imposto Único e defendem que a base de uma reforma tributária deveria ser a criação de um Imposto sobre Valor Agregado – IVA, por ser um tributo neutro e eficiente. Este é um discurso que muitos tributaristas e economistas repetem com frequência, sem nunca terem se debruçado sobre o tema para analisá-lo de modo crítico. Tornou-se um mito na literatura tributária afirmar que o IVA é mais eficiente que um imposto cumulativo.

Primeiramente, cabe ressaltar que nenhuma espécie tributária é totalmente neutra. Tanto os impostos cumulativos como os IVAs provocam distorções nos preços relativos e alteram as decisões econômicas que teriam sido adotadas na ausência da cunha fiscal.

A questão que deve ser colocada na avaliação de um sistema tributário refere-se à análise da distorção que um imposto cumulativo causa nos preços, comparativamente a que ocorre com o IVA. Qual das duas espécies tributárias causa mais impacto sobre os preços?

A comparação do impacto sobre os preços entre os dois sistemas pode ser obtida a partir da matriz interindustrial calculada pelo IBGE para 110 produtos. Caso fosse adotado um Imposto Único sobre a Movimentação Financeira para substituir três IVAs (ICMS, IPI e INSS patronal), ele deveria ter uma alíquota de 1,05% sobre o débito e o crédito das transações nas contas-correntes bancárias.

O resultado da simulação para os 110 produtos mostra que o Imposto Único teria um impacto de no mínimo 3,7%, sobre o valor dos serviços imobiliários, e de no máximo 8% sobre o preço da gasolina. Já os IVAs (ICMS, IPI e INSS) teriam um efeito distorcivo de no mínimo 17,4% sobre os preços dos serviços prestados às empresas, e de no máximo 57,9 %, nos produtos do fumo.

Portanto, a cumulatividade não pode ser considerada como uma característica indesejável da proposta do Imposto Único, já que as distorções nos preços relativos são bem menores que as causadas por tributos como o IVA. A análise com base na matriz intersetorial desmistifica a ideia de que um IVA é mais eficiente que um imposto cumulativo.

Ademais, cumpre citar que o imposto sobre movimentação financeira elimina a sonegação, reduz o custo operacional do sistema e amplia a base tributária imponível. Nesse sentido, tudo indica que, nas condições específicas da sociedade brasileira, é preferível um imposto cumulativo sem sonegação e com alíquota baixa a um IVA com sonegação com alíquotas elevadas.

Cabe salientar que as críticas aos tributos cumulativos perderam força em função de uma experiência de sucesso adotada no Brasil. Entre 1993 e 2007, o País conviveu com um tributo incidente sobre as movimentações financeiras, a CPMF (inicialmente chamada IPMF), que não provocou qualquer distorção nos preços relativos, desmentindo, com isso, o que preconizam os defensores do IVA.

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.