Passando à ofensiva

Por ETCO

Fonte: Estado de São Paulo, 12/03/2005

Emerson Kapaz*

O governo tem agora argumentos muito fortes para neutralizar a ameaça, pelos Estados Unidos, de exclusão das exportações brasileiras do chamado Sistema Geral de Preferências. Ao contrário do que acontecia no passado, a proteção à propriedade intelectual e o combate às práticas de pirataria passaram a merecer atenção prioritária, já existindo, inclusive, um plano nesse sentido com 92 ações delineadas para serem executadas de imediato.
Essa iniciativa não é a única novidade. Resultado de recente reunião do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual, criado no fim do ano passado, o plano nasce de uma aliança inédita entre a sociedade civil e o governo, o que alarga e aprimora os canais de diálogo e a troca de informações. Da parte da sociedade são seis participantes, entre eles representantes da indústria, além de dois membros do Congresso Nacional. O governo, por sua vez, participa com sete ministérios, além da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária e da Receita Federal.


Ao mesmo tempo, o conselho dispõe de uma secretaria-executiva autônoma, não ligada aos ministérios, com orçamento próprio para organização de um banco de dados que vai operar associado ao Sistema Único de Segurança Pública. Quer dizer, tem liberdade para pressionar o governo e exigir ação. Em recente editorial, o Estado listou alguns dos eixos prioritários do plano do conselho, entre eles, a redução da diferença de preços entre os produtos originais e os produtos falsificados, as campanhas de esclarecimento à opinião pública, o aumento dos efetivos da fiscalização, a modernização da legislação e a redução da burocracia, que inibe a punição dos criminosos. Conclui afirmando que, ao agir assim, “o governo não estará simplesmente cedendo às exigências dos Estados Unidos e de outros países industrializados. Estará atendendo a um dos mais genuínos interesses nacionais”.


Os números não deixam dúvida: se somada ao contrabando e às práticas de descaminho, a falsificação de produtos – leia-se pirataria – causa ao País prejuízos de R$ 18 bilhões, com redução na arrecadação de R$ 3 bilhões e a eliminação de algo em torno de 2 milhões de empregos formais. Nesse tipo de ambiente as reações negativas em cadeia são múltiplas e cada vez mais nocivas. Entre elas figuram os crescentes prejuízos aos acionistas, a fuga de investidores, a perda da competitividade das empresas, que bancam custosos projetos de pesquisa e desenvolvimento, e, como se nada disso bastasse, as pressões internacionais se intensificam.


É o que acontece, por exemplo, no âmbito dos Estados Unidos. Em 31 de março haverá uma avaliação para radiografar o posicionamento brasileiro. Caso se conclua que a fiscalização é ineficaz, o País pode ser retirado do Sistema Geral de Preferências, que estabelece tarifa zero para uma série de produtos exportados. Feitas as contas, o prejuízo seria de US$ 2,5 bilhões por ano. Mas os verdadeiros prejuízos de uma medida dessa natureza transcendem a linguagem dos números. Envolvem o próprio caráter da reputação e a imagem brasileira no exterior, com repercussões das mais prejudiciais no ambiente interno.


Eis por que as ações do conselho vieram para ficar. Há muito ruíram as ilusões de que fechar os olhos para as práticas ilegais de concorrência, quaisquer que fossem elas, se tratava de um mal necessário. Uma forma de atenuar as graves disparidades sociais brasileiras. O País acordou para os riscos da informalidade e, assim, passou a ver a ética na concorrência com a sua verdadeira face: um fator indispensável ao desenvolvimento e à integração na comunidade econômica internacional.


Foi nesse contexto que nasceu o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual. O primeiro reflexo do seu funcionamento é que se passou de uma atitude defensiva, geralmente tímida, para uma ação ofensiva, determinada em todas as frentes. Resta informar aos Estados Unidos, e a outros países que se sentem ameaçados, que a realidade está mudando para melhor. Sem tal iniciativa se corre o risco de as exportações brasileiras serem vítimas de um erro que faz parte do anedotário popular: aquele de jogar o bebê fora junto com a água suja. Precisamos fortalecer o bebê, que é o plano de ação do conselho, enquanto a água suja, os que praticam a concorrência ilegal, é banida do cenário e seus responsáveis, exilados atrás das grades. Os tempos de impunidade começaram a mudar.


*Emerson Kapaz é presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). E-mail: www.etco.org.br