Patentes e o registro do conhecimento

Por ETCO

Autor: José Antonio Faria Correa*

Fonte: O Globo Online – OPINIÃO – 16/08/2010

Artigo do leitor José Antonio Faria Correa*

Ao longo de muitas décadas, os diferentes governos do país discutiram e implementaram políticas restritivas à área de propriedade industrial, entendendo que as regras de tutela vigentes no plano internacional não conviessem aos interesses de países em desenvolvimento, como o Brasil, podendo sufocar as indústrias nascentes. Assim, edificaram-se normas impeditivas da concessão de patentes em determinados setores; políticas de rígido controle à contratação de tecnologia de origem externa e regras dissonantes do tratamento internacional às marcas de indústria, comércio e serviço.



” Quem investiria, pois, naquilo que pode ser, livremente, apropriado por concorrentes que nada fizeram senão copiar? Investimento, de qualquer natureza, só é viável com segurança jurídica”

Ainda que tais políticas, corporificadas a partir da edição do então Código da Propriedade Industrial de 1970 e implementadas pelo recém criado Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), possam ser questionadas por uma pluralidade de razões, suas justificativas, de todo modo, inscreviam-se no estatuto que o Brasil, 40 anos atrás, tinha na constelação dos países. Éramos um país com enorme déficit nas mais diferentes áreas e sem poder de barganha nos foros internacionais.

O país evoluiu muito desde então, e o seu setor privado, em meio às conhecidas intempéries, amadureceu e rasgou mercados. Em paralelo, a competência da nossa diplomacia foi ampliando cada vez mais a voz dos interesses do Brasil. Além disso, os governos mais recentes deixaram de ter medo da liberdade e passaram a ter mais confiança na capacidade de nosso país manter uma coreografia econômica mais plástica, obedecendo, porém, a um metrônomo normativo seguro.

Por mais divergências conceituais que possam ter as várias correntes que pensam os destinos do país, poucas pessoas deixam de reconhecer que, hoje, o maior bem de uma nação é a sua capacidade de criar, processar e gerir conhecimento, dando-lhe uma dinâmica econômica. Ninguém poderia discutir, também, que esse conhecimento seria inútil sem amparo jurídico. Quem investiria, pois, naquilo que pode ser, livremente, apropriado por concorrentes que nada fizeram senão copiar? Investimento, de qualquer natureza, só é viável com segurança jurídica.

Nos últimos tempos, nosso país vem ocupando espaço político e seu nome é considerado nas discussões de temas de repercussão mundial. A postura de nossos dirigentes mostra o legítimo anseio por grandiosidade, magnitude, prestígio. O país quer respeito internacional e por detrás dele há substância: há uma indústria pujante; há um comércio exuberante; há um empresariado que interage com o que há de mais moderno disponível no mercado internacional.

É preciso uma mentalidade que favoreça a concessão de patentes para criações industriais por quem as tenha concebido; que trate as restrições, de qualquer natureza, como exceção, e não como regra; que efetivamente conceda registros de marcas em tempo hábil, nos padrões internacionais a que o país aderiu desde o século XIX e permitindo que o sistema eletrônico de depósito efetivamente funcione, mediante livre escolha na descrição de produtos e serviços; que reconheça a capacidade de negociar do empresário brasileiro; que valorize a profissão de agente de propriedade industrial, impedindo que pessoas sem formação e sem escrúpulos destruam o patrimônio intangível de brasileiros e estrangeiros por falta de capacitação, como muitos querem.

Sem essas premissas, o empresário brasileiro e o potencial investidor estrangeiro ficam sem amparo, à mercê de piratas, que lucram egoisticamente e lesam não só o erário como, principalmente, o contribuinte/consumidor. O papel do INPI é espelhar essa luminosidade que o país vem se esforçando para disseminar pelo mundo. Sem patentes, sem registros de marca, sem contratações na área de tecnologia, essa luz se apaga junto com o fogo da retórica, puramente fátuo. O Brasil de hoje, definitivamente, não é o de 40 anos atrás.

*José Antonio Faria Correa é ex-presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual