Pirataria: EUA ameaçam retaliar o Brasil

Por ETCO


Por FABÍOLA SALVADOR e ADRIANA FERNANDES – O Estado de S. Paulo, 23/09/2004


BRASÍLIA – O governo brasileiro manifestou ontem confiança de que os Estados Unidos não vão retaliar o Brasil por desrespeito à propriedade intelectual. Em encontro com o representante adjunto de Comércio americano, Peter Allgeier, o Itamaraty apresentou um relatório de 40 páginas com os avanços feitos pelo Brasil, nos últimos anos, no combate à pirataria. Mas apesar da confiança do governo, o representante americano não afastou o risco de os EUA retirarem o Brasil do seu Sistema Geral de Preferências (SGP), que faz com que cerca de US$ 2 bilhões em exportações brasileiras entrem no território americano com tarifa zero.


Em enconctro com o embaixador Clodoaldo Hugueney, chefe da área econômica do Itamaraty, Allgeier alegou que para ter o benefício da preferência tarifária o Congresso dos EUA exige, entre outras medidas, a proteção da propriedade intelectual. Segundo ele, não será simplesmente com “uma ou duas medidas” adotadas pelo Brasil que o governo americano vai decidir o problema.


Para Hugueney, o relatório brasileiro é suficiente para convencer os americanos a não fazer retaliações contra as exportações brasileiras. “Não há nenhuma dúvida sobre isso”, afirmou o representante brasileiro. Os fabricantes de autopeças, produtos químicos e bens industriais serão os mais afetados se os EUA retaliarem o Brasil.


Em defesa da posição brasileira, Hugueney chegou a afirmar que a pirataria nos EUA é muito maior e sofisticada do que no Brasil. “Há um problema enorme lá. As cifras (de pirataria) expressivas são muito maiores nos Estados Unidos do que no Brasil”, argumentou o embaixador brasileiro no contra-ataque. Segundo ele, existe nos EUA uma pirataria “sofisticadíssima e altamente tecnológica” que não é verificada no País. “O Brasil é um dos países que têm uma das legislações mais modernas em matéria de propriedade intelectual, como também atua de forma determinada no combate à pirataria.”


No relatório apresentado ontem ao governo americano, foi incluído um anexo com as estatísticas de apreensão de produtos piratas em ações da Receita Federal, Polícia Federal e polícias estaduais. Boa parte do relatório foi feita com base no trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional sobre pirataria.O governo também confirmou no relatório que vai criar um Conselho Nacional de Combate à Pirataria, órgão com maior poder que definirá um plano nacional para enfrentar o problema.


Peter Allgeier disse que não há prazo para tomar a decisão. O governo americano vai analisar agora as informações prestadas pelo Brasil no relatório. Ele não quis fazer nenhuma indicação sobre a posição que poderá ser adotada. “Não posso especular”, afirmou.


O governo americano também apresentou ao Itamaraty um relatório sobre as medidas que vêm sendo adotadas para combater a pirataria. Também foram tema das negociações de ontem a abertura do mercado americano para a carne bovina in natura e a ação antidumping que os pescadores dos EUA movem contra o camarão brasileiro. Mas não houve avanços nas conversas.


O representante dos EUA afirmou ainda que o governo americano está acompanhando de perto os desdobramentos das negociações entre União Européia e Mercosul. Apesar de a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não ter sido tema das conversas com seu colega brasileiro, o embaixador Clodoaldo Hugueney, chefe da área econômica do Itamaraty, Allgeier disse que só com um “milagre” os prazos para a formação da Alca seriam cumpridos. “Mas como o Brasil é a terra dos milagres, não podemos excluí-los.” O prazo previsto inicialmente para a conclusão das negociações é janeiro de 2005.


Erro – Em nota distribuída na tarde de ontem, a embaixada americana em Brasília afirma que uma frase dita na terça-feira, em São Paulo, por Allgeier, no contexto da proteção da propriedade intelectual, foi traduzida incorretamente. Segundo a nota, a frase atribuída a Allgeier “I am mystified” significa, literalmente, “estou confuso” ou “estou perplexo”. O funcionário americano não quis dizer que as posições do governo brasileiro referentes à propriedade intelectual representariam uma “mistificação”.