Por que trabalham nossos juízes?

Por ETCO

Autor: Fábio Ulhoa Coelho*

Fonte: Migalhas.com.br, 10/03/2008

Dr. Ruy CoppolaO “Migalhas”, jornal eletrônico que circula entre
profissionais do direito, divulgou recentemente uma interessante matéria sobre o
trabalho dos juízes (Migalhas 1.845 – 26/2/08 – “48 horas com o desembargador” –
clique aqui). Acompanhou dois dias do cotidiano de um desembargador do Tribunal
de Justiça de São Paulo, Dr. Ruy Coppola. A conclusão da reportagem reforça o
que todos da área sabemos: a maioria dos magistrados trabalha muito.



 


A questão mais importante para a sociedade que a matéria suscita, contudo,
talvez seja outra: o estafante trabalho dos nossos juízes tem sido
eficiente?



Os magistrados são os agentes públicos incumbidos da mais relevante
função do Estado: fazer justiça. Além disso, embora até caiba discutir se
recebem remuneração compatível com sua responsabilidade, encontram-se entre os
mais bem remunerados agentes públicos. Interessa, por isso, a toda a sociedade
que o trabalho deles seja aproveitado do modo mais eficiente possível. Muito
trabalho não é sinônimo de eficiência em nenhuma atividade; pelo contrário, a
estafa costuma corroê-la.

Cercada, ainda, por rituais e formalidades secularmente cultivados, a
prestação jurisdicional não tem sido eficiente, principalmente em razão da
demora. Os processos judiciais se eternizam, para desespero e prejuízo dos
litigantes, frustração e desgosto dos profissionais. E o culpado é fácil de
apontar: a legislação processual, incompatível com a complexidade e dinâmica das
relações sociais contemporâneas. E pior, quando se pensa reformá-la com vistas
ao aumento da celeridade do processo, acabam produzindo o resultado inverso:
mais delongas.

Exemplifico com uma medida introduzida na lei em 1994, destinada
especificamente a abreviar o processo judicial: a antecipação de tutela. De um
modo simples, ela permite ao juiz decidir a causa logo de início. Pode ser dada
quando os elementos levados pelo advogado são tão convincentes que possibilitam
ao juiz confirmar, de imediato, que o autor da ação tem o direito que pleiteia.
Trata-se de uma decisão inicial de caráter provisório, que o juiz pode alterar
se chegar a convicção diversa depois do processo inteiramente concluído.



Ao ser introduzida, a antecipação de tutela cercou-se de grande
expectativa. Partia-se da premissa de que o processo se arrastava porque o
devedor tinha interesse em protelar a condenação. Com a antecipação, o retardo
do processo judicial não mais o beneficiaria. Essa premissa revelou-se
equivocada por desconsiderar o dever funcional dos advogados de esgotarem todos
os instrumentos e recursos legais em favor do cliente. Desse modo, em
praticamente todos os processos, mesmo quando os elementos apresentados não
provam tão veementemente a existência do direito, os advogados devem solicitar a
antecipação.



O resultado é o oposto do pretendido quando se criou a medida. Depois da
previsão legal da antecipação de tutela, os processos não demoram só para
acabar; eles, agora, demoram também para começar. Começam, em sua maioria, com
pelo menos dois recursos ao Tribunal, para discutir seja a concessão, seja a
negação da antecipação de tutela pelo juiz.



Outro exemplo está na limitação das hipóteses de cabimento de recursos ao
invés de sua supressão. Isso não diminui; a rigor, aumenta o volume de trabalho
dos nossos juízes. Como o advogado tem o dever profissional de empregar todos os
meios legais de defesa do cliente, vai sempre sustentar que a hipótese legal de
admissibilidade está presente. Aumenta o trabalho do magistrado porque ele tem,
antes, que decidir se o recurso é ou não admissível. Se o objetivo é acelerar o
processo, a lei deve simplesmente suprimir alguns recursos e não apenas limitar
os casos em que podem ser oferecidos.



A antecipação de tutela e limitação dos recursos são experiências más.
Entravam a eficiência da prestação jurisdicional e devem ser repensadas.



Além da ampla reforma da legislação processual, outras providências são
igualmente necessárias e urgentes para simplificar e abreviar o processo
judicial, como, por exemplo, a completa digitalização dos autos, descartando de
vez o papel como suporte. Afinal, pelo que trabalham nossos juízes? Certamente
não para cumprirem anacrônicas formalidades processuais, e sim para entregarem
justiça com rapidez e segurança.



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*Jurista e Professor da PUC/SP