Quando o barato sai caro

Por ETCO


Por Roberto Giannetti da Fonseca, O Estado de S. Paulo – 28/03/2005


Algumas pessoas têm-me perguntado: “Por que haveria a atual administração da Fiesp de demonstrar tanto empenho e determinação no combate à pirataria e à sonegação?” A resposta é simples e óbvia: o alicerce de uma sociedade organizada e desenvolvida é o regime de concorrência de mercado, dentro de regras estabelecidas, que devem ser observadas e cumpridas por todos, sem distinção. Acontece que, infelizmente, vivemos um flagelo que está ganhando dimensão alarmante no plano internacional. Trata-se do fenômeno da pirataria, aliado à sonegação fiscal.


A falsificação de produtos, conjugada com o contrabando e a sonegação fiscal, movimenta atualmente centenas de bilhões de dólares pelo mundo afora. Somente no Brasil, conforme cálculos do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), o mercado ilegal de produtos piratas movimenta cerca de R$ 63 bilhões por ano, dos quais os cofres da União deixam de arrecadar cerca de R$ 27,8 bilhões. Isto, sem contar os prejuízos sociais resultantes desta onda de pirataria, que elimina milhões de empregos formais na indústria, no comércio e nos serviços e que causa graves prejuízos às empresas éticas, que operam dentro da lei, pagando impostos e gerando empregos. Além disso, o consumidor que compra um produto falsificado nem sempre avalia os riscos que corre quanto à sua própria saúde e segurança.


A maior parte dos produtos piratas consumidos no Brasil é produzida no exterior e contrabandeada através de alguns portos marítimos e, principalmente, das fronteiras secas com países como o Paraguai e a Bolívia. Do Amapá ao Rio Grande do Sul, temos cerca de 16 mil quilômetros de fronteira seca, ou seja, cinco vezes maior do que a existente entre Estados Unidos e México, por onde imigrantes ilegais não param de penetrar em solo norte-americano, apesar de toda a tecnologia que a força policial dispõe para combater o problema.


Com recursos humanos, financeiros e tecnológicos extremamente limitados, as autoridades brasileiras têm feito recentemente verdadeiros milagres no combate ao contrabando de produtos piratas para o território brasileiro.


Cabe destacar a denominada “Operação Cataratas”, que, em apenas dois meses, resultou na abordagem de mais de 100 ônibus na região de Foz de Iguaçu, com a apreensão de dezenas de milhões de reais de mercadorias falsificadas, como cigarros, CDs, DVDs, softwares, produtos e componentes eletrônicos, dentre outros, na sua maior parte oriundos da China e Taiwan, onde se localizam as grandes indústrias de falsificação de produtos das mais variadas marcas e origens.


Estes fabricantes não têm a menor preocupação de licenciamento e pagamento de royalties aos detentores legítimos de marcas e patentes das mercadorias. Nos últimos meses, várias prisões de contrabandistas e sonegadores milionários vêm ocorrendo nos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro.


Contudo, mesmo assim, todas as ações ainda são poucas diante do enorme desafio de combater esse segmento poderoso do crime organizado, que não hesita em corromper autoridades desonestas, matar seus opositores mais ferrenhos e desafiar abertamente o Estado em toda a sua dimensão legal e política. Precisamos, pois, fazer muito mais para evitar que este mal prolifere em nosso meio. Para isto, é preciso que o governo e o setor privado invistam juntos e logo em recursos humanos, tecnologia e infra-estrutura, de forma a capacitar nossos portos, aeroportos e postos de aduana para um combate agressivo à pirataria.


Para fiscalizar as fronteiras e aduanas, existem nos quadros da Policia Federal cerca de 7.800 homens e da Receita Federal, cerca de 7.500 fiscais aduaneiros. O número é insuficiente. Talvez precisemos treinar e formar o dobro de funcionários públicos para uma efetiva e eficiente fiscalização aduaneira.


Instalado em outubro de 2004, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual deu partida a uma nova e decisiva ofensiva contra este comércio ilegal, coordenando ações entre os vários órgãos públicos, como Receita Federal, Policia Federal, Itamaraty, Ministério Público e o setor privado.


Neste contexto, a Fiesp pretende adicionar uma verdadeira mobilização da sociedade em todos os níveis, envolvendo produtores, comerciantes, trabalhadores, consumidores, governos federal, estaduais e municipais, de forma a intensificar o combate ao comércio ilegal de produtos piratas. A meta é também educar e conscientizar os consumidores brasileiros para que evitem comprar produtos ilegais.


A verdadeira cruzada que a Fiesp realizará neste campo inicia-se com a promoção do seminário “O Brasil Contra a Pirataria”, terça-feira (29 de março), com a presença de inúmeras autoridades brasileiras e estrangeiras, empresários de vários setores, representantes de Sindicatos e de ONGs, todos associados a este esforço de mobilização nacional contra esse danoso mal.


Com determinação e perseverança neste objetivo, em breve esperamos ver a decadência da atividade de pirataria no Brasil e o predomínio da legalidade de uma sociedade baseada na concorrência leal e honesta.


*Roberto Giannetti da Fonseca, economista e empresário, é diretor titular de Comércio Exterior e Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ex-secretário-executivo da Camex e autor do livro ‘Memórias de um Trader’.