Só fiscalizar é pouco

Por ETCO

Autor: Romoaldo de Souza

Fonte: Revista ETCO, No. 10, agosto 2008

Produtos falsificadosO combate à falsificação de produtos no Brasil ganhou, recentemente, dois reforços de peso, comemorados no Conselho Nacional de Combate à Pirataria, CNCP, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Um deles foi a entrada da Confederação Nacional do Comércio, CNC, na vaga antes ocupada pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, ABDR. A entrada da CNC vem reforçar o trabalho de combate às falsificações porque “o Brasil tem aracterísticas de país consumidor, e não de produtor de produtos falsificados”, diz o secretário-executivo do CNCP, André Barcellos. Tanto isso é verdade que, afirma, em recente estimativa o CNCP calculou que 75% do que circula no Brasil de mercadoria falsificada origina-se no sudeste asiático.

O outro reforço vem da Câmara dos Deputados. Em maio, finalmente, os deputados resolveram instalar uma comissão especial para sistematizar o trabalho de agrupar mais de uma centena de projetos que tramitam na casa, todos versando sobre tipificação do crime de pirataria. O levantamento das propostas apresentadas em forma de projeto já está bastante avançado, segundo o deputado Pedro Chaves (PMDB-GO), presidente da comissão especial. “Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça deu importante passo nesse sentido, quando aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 2729/03, que tipifica o crime de pirataria em obra intelectual, incluindo programas de computador, videofonogramas e fonogramas”, afirma o parlamentar. Chaves lembra que o projeto é parte do resultado da CPI da Pirataria, de 2003, que denunciou a quadrilha chefiada pelo empresário chinês, naturalizado brasileiro, Law Kin Chong.

Agora com o reforço da CNC, que se alia à Confederação Nacional da Indústria, CNI, na estratégia de realizar campanhas educativas pelo país inteiro com mensagens contra a pirataria, o CNCP arregaça as mangas. Em breve, deverá divulgar os resultados de uma pesquisa, contratada pelo setor de software, na qual as conclusões já virão com um esboço do que será abordado nas campanhas educativas.


Para André Barcellos, a sociedade precisa enxergar a falsificação de mercadorias em três diferentes dimensões: a criminal, uma vez que é manipulada por uma “rede criminosa internacional”; a econômica, por gerar desemprego e reduzir a atração de investimentos; e a social, pelos riscos que os produtos pirateados trazem ao consumidor final.
“É preciso que se tenha uma abordagem diferenciada nessas campanhas educativas”, diz ele.
“Nós já temos claro que mensagens direcionadas ao consumidor de que a pirataria é crime não têm uma boa aceitação.” Quem compra o CD ou DVD pirata, explica, não se enxerga como um criminoso.

Já as campanhas informativas que falam do desemprego causado pela ação dos falsificadores produzem mais resultados, assim como as que dão conta dos prejuízos da sonegação fiscal. “É preciso salientar que a pirataria corrói a arrecadação de tributos que poderiam ser direcionados para a educação, a saúde e outras áreas sociais”, afirma. “O consumidor é sensível a esse tema.”

O Conselho Nacional de Combate à Pirataria, contudo, não quer se limitar a campanhas educativas. Barcellos aposta também na ênfase à repressão nas zonas primárias – portos, aeroportos e regiões de fronteira -, pelas quais entram no país os produtos pirateados.


O problema se repete, em maior ou menor grau, nos outros países, mesmo entre os de economia avançada. Segundo Barcellos, até nos Estados Unidos e na Suécia, dois dos detentores de maior renda per capita no planeta, a ação dos falsificadores constitui uma praga.


“Se você for à Suécia, por exemplo, não vai encontrar a pirataria física, na rua, mas sim na internet. E isso, num país com praticamente 100% de inclusão digital e nível de escolaridade elevadíssimo.


Nos Estados Unidos você observa a mesma situação.” Mesmo não sendo tão visível como no Brasil, em que produtos falsificados são vendidos a céu aberto, pelos camelôs na rua, o problema enfrentado por esses países, segundo Barcellos, é também grave.

“A pirataria invisível é tão danosa quanto a física”, afirma. Programas livres de custo (freewares) para baixar músicas e filmes pululam na internet, ao alcance de um simples clique no mouse. Todos eles permitem violar direitos autorais, protegidos pela legislação. As poucas exceções ficam por conta de portais que trabalham somente com músicas que, baixadas no computador, dependem de uma confirmação de pagamento dos direitos para poder ser executadas. Quem chega à austera sala da Secretaria-Executiva do CNCP encontra reluzentes relógios Rolex, perfumes e um conjunto de CD e DVD com músicas e um show do cantor, compositor e atual ministro da Cultura, Gilberto Gil, entre os objetos falsificados que ali estão expostos para ilustrar o alcance do problema. “Não há um acompanhamento para se saber o que é mais falsificado, mas o que é mais visível, que está nas ruas, de fato são os CDs e DVDs”, diz Barcellos.

“Mas também há brinquedos, tênis, óculos, enfim, é tanta coisa que não dá para quantificar.” Um número, contudo, deverá servir de indicação do volume comercializado no país. O CNCP está para divulgar um levantamento, segundo o qual, só de mercadorias apreendidas no Brasil, o valor ultrapassou a casa do 1 bilhão de reais no ano passado. É o dobro do que se apreendia em anos anteriores à criação do órgão pelo governo, em outubro de 2004. Resta ver o quanto desse crescimento se deveu à eficiência da fiscalização e o quanto decorreu do puro e simples aumento da venda de produtos pirateados no país.

Para Barcellos, a ação coibitiva promovida pelo setor público, para ter eficácia, precisa ser complementada por uma maior conscientização dos consumidores. “Por ser um fenômeno criminal, exige a repressão, para a contenção da oferta de produtos”, diz ele. “Mas se não houver também contenção de demanda para os produtos falsificados, vamos continuar enxugando gelo.”

O CNCP não ignora que o principal indutor ao consumo desses produtos é o preço, que muitas vezes nem atinge 50% do que é cobrado nas lojas por produtos de marca comprovada. “Seria covardia esperar que esses valores se igualassem, dado que as estruturas de custos para a produção de um e de outro bem, o legal e o falsificado, são totalmente diversos”, diz Barcellos. Por isso, uma das recomendações do órgão para diminuir o custo de produção pela via legal está em reduzir os encargos sociais e tributos pagos pelas empresas.

Enquanto a comissão especial segue peneirando os projetos já apresentados sobre o assunto, a Câmara dos Deputados está para apreciar também uma Proposta de Emenda à Constituição, PEC, de autoria do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), que confere isenção tributária à produção de CDs e DVDs de música brasileira ou produtos fonográficos de artistas nacionais. 
A isenção valeria, também, para os encartes dos discos, que encarecem a produção em até 15%.

Segundo o autor do projeto de emenda, embora a repressão à falsificação seja uma atividade relevante, se houver a redução de tributos, junto com uma campanha informativa dirigida ao contribuinte, o consumidor “vai ter despertada a consciência para a importância de comprar produtos originais”, contribuindo assim para o esforço de criação ou resgate de empregos na fabricação e na distribuição dos produtos. “É inaceitável que a ação da pirataria deixe 80 000 pais e mães de família desempregados”, afirma Leite. “Se o CD legal for produzido e vendido a um preço menor, haverá dividendos para o país, porque ganhará a economia formal, e a nossa MPB (música popular brasileira), um patrimônio da cultura nacional, será valorizada.”

Com base em dados da Associação Brasileira dos Produtores de Disco, ABPD, ele diz que, com a isenção tributária, CDs e DVDs de artistas brasileiros poderão ser vendidos com até 40% de desconto em relação aos preços atuais no mercado.

Mas o projeto do deputado tucano enfrenta resistências na base de apoio ao governo. O deputado petista Paulo Teixeira (SP) diz que enquanto a Câmara estiver discutindo a proposta do governo de reforma tributária é preciso esperar antes de analisar outras medidas de redução de impostos. “Nós precisamos debater com a sociedade, para ver se ela se prontifica a abrir mão desses impostos”, argumenta. A proposta deve voltar à Comissão de Constituição e Justiça para novo parecer.