Virtualização mostra que Justiça é viável, diz Asfor Rocha

Por ETCO

Fonte: Última Instância – SP – NOTÍCIAS – 06/10/2009

Assim como Brás Cubas, o cearense Cesar Asfor Rocha parece sofrer de uma ideia fixa: abolir o papel no Judiciário brasileiro. Porém, pouco depois de completar um ano à frente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro trilha caminho distinto ao do célebre personagem machadiano e seu emplastro. A partir de fevereiro do ano que vem, a Justiça Federal estará inteiramente integrada ao processo digital e, até o fim do ano, 31 dos 32 tribunais do país enviarão processos ao Tribunal Superior pela Internet.

Em sua peregrinação pelos tribunais do país, divulgando o sistema que reduziu de seis meses para seis minutos o tempo de chegada de um processo no STJ, ele costuma repetir um mantra: “A Justiça é viável”. O ministro acaba de lançar o livro, em que fala de seus mais de 20 anos de magistratura.

Quando Asfor Rocha assumiu o STJ em setembro de 2008, depois de 17 anos de Corte, o estoque de processos a serem distribuídos aos gabinetes passava dos 400 mil. Hoje, graças a uma reformulação administrativa somada à aplicação da Lei dos Recursos Repetitivos, são 240 mil. “A expectativa é que até o fim do ano zeremos o estoque de processos, isso levando em conta a média de quase 1.000 protocolados por dia”, observa.

O ministro afirma que esses resultados não teriam sido possíveis sem a instituição do filtro que permitiu o julgamento em massa de milhares de processos com temas idênticos. “A Lei de recursos repetitivos tem sido um instrumento valioso —ainda não totalmente empregado com o devido entusiasmo em todas as seções fracionadas do Tribunal— mas já é um instrumento importante para racionalizar o andamento e a chegada dos processos no STJ”, disse Asfor Rocha, que participou ontem do seminário O Judiciário e a Sociedade, promovido pela AASP (Associação dos Advogados de São Paulo).

Para o presidente do STJ, que foi um dos principais nomes cotados para assumir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), “a grande deficiência que o Judiciário possui hoje é de gestão”. Segundo Asfor Rocha, os magistrados brasileiros têm um preparo técnico de padrão internacional, mas apresentam “absoluta incompatibilidade para gestão”. “Não temos controle de eficiência”, pondera.

Menina dos olhos


A despeito das questões técnicas e administrativas do Tribunal, Asfor Rocha fala com orgulho mesmo é do processo de virtualização, que teve início com o desenvolvimento de um software responsável pela gestão da entrada e da distribuição dos processos. “Não gastamos nenhum tostão com royalties ou licenças e cedemos de graça pra quem quiser”, disse. “Por exemplo, se o Tribunal de Justiça de São Paulo quiser, estamos à disposição”, ironizou o ministro. O TJ-SP é o único tribunal do país que não aderiu à virtualização, nem estabeleceu prazo para isso. Segundo o STJ, o Banco Mundial e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) já demonstraram interesse de levar a experiência para outros países.

Até novembro, com a inclusão do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) e do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), todos as cortes estaduais e federais já terão eliminado o processo de papel —com exceção de São Paulo.

Na Justiça Federal, a revolução silenciosa está ainda mais acelerada. Em janeiro do ano que vem, todos os processos ajuizados em Varas e Tribunais Federais já terão tramitação eletrônica. Isso deve gerar uma economia brutal com os custos de transporte e armazenamento dos feitos. Se a conta for estendida a todos os tribunais, vislumbra o ministro, serão R$ 16 milhões a menos gastos com os Correios. O STJ, que já estava alocando vagas de garagem para a construção de depósitos de processos, deve ter uma redução de 20% no orçamento em relação aos custos com processos.

“Nós sabemos que toda quebra de paradigma encontra enormes reações. A burocracia tem um abalo muito grande com a virtualização de processos. Com um processo digitalizado de livre acesso pela Internet, mesmo os burocratas sérios, sem falar dos desonestos, deixam de prestar aqueles favores que eles prestavam aos advogados que queriam saber do andamento”, diz Asfor Rocha sobre as resistências à digitalização.

O próprio Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) chegou a questionar a virtualização sob o argumento de que muitos advogados não têm computador. “Mas o advogado que não tiver pode ir a uma Lan House”, pondera Asfor Rocha. “Vai ficar muito mais barato do que mandar alguém do Acre pegar um processo em Brasília. Esse é um argumento irrespondível. Não consigo ver qual o ponto negativo”.

Segundo o ministro, o presidente do TJ-SP, Roberto Valim Bellochi alega falta de recursos para a implantação do sistema e diz que isso não acontecer` em um prazo menor que três anos, apesar de um estudo do STJ apontar que apenas os custos com postagem cairiam de R$ 3,5 milhões para R$ 840 mil com Correios em um ano.

Apesar dos obstáculos, Asfor Rocha acredita que em pouco tempo seu emplastro terá se espalhado pelo país. “É um processo inexorável. E se o STJ fez, ninguém vai poder dizer que é uma experiência perigosa”.