“ETCO se destaca na defesa ética da concorrência e no fortalecimento da moral nos negócios”

Qual o papel da ética para o desenvolvimento do país – e, em especial, qual o papel da ética concorrencial nessa missão? Embora com raízes semelhantes (ethos/mos), para o senso comum, no mundo negocial prevalece uma exigência moral: boa-fé, lealdade, sem o que as relações funcionam mal.

Para a ética, o alvo é a competitividade enquanto um direito de atuar criativamente no jogo do mercado livre. Em si, o mercado é cego em face dos indivíduos, e nele nem todos os agentes são igualmente livres. Daí a necessidade de preceitos de ordem coletiva, ética. E é na sua implementação que ela cumpre um papel no desenvolvimento de países emergentes num mundo globalizado.

Ética pública

O ETCO tem tido um papel significativo tanto na defesa ética da concorrência quanto no fortalecimento da moral nos negócios. No primeiro caso, lembro o empenho de sua luta pela justiça tributária; por consequência, o combate ao contrabando e o olhar crítico das reformas tributárias. No segundo, sua forte reação contra a corrupção, que assalta a moral negocial e perverte a ética pública.

Livre concorrência

Toda atividade empresarial visa o lucro, mas se deve preservar a livre concorrência, pois sua eliminação é o meio pelo qual o poder econômico domina o mercado e o perverte. O princípio da livre concorrência garante, em nome da coletividade, o exercício da livre iniciativa e exige, como qualquer direito, o respeito a limites éticos. Estes não só devem ser buscados na própria livre concorrência, mas também no exercício de outras liberdades, como a de consumir e a de ter acesso aos benefícios da propriedade e da produção.

Tercio Sampaio Ferraz Junior, advogado, é doutor em Direito pela USP e em Filosofia pela Universidade de Mainz, na Alemanha. Professor da USP e da PUC-SP, foi procurador-geral da Fazenda Nacional (1991), secretário-executivo do Ministério da Justiça (1990) e diretor jurídico da Fiesp (1981)

 

Entrevista com Victório de Marchi, conselheiro e um dos fundadores do ETCO

1. Qual a importância de se promover a ética concorrencial para o desenvolvimento do País?

Victório de Marchi – O ambiente de negócios no Brasil e no mundo precisa ser continuamente aprimorado e guiado por condutas éticas, não só na relação com colaboradores, parceiros e clientes, mas também com a própria concorrência.  A promoção da ética concorrencial, resulta no enfrentamento aos desvios de conduta como contrabando, falsificação, sonegação e evasão fiscal, por exemplo. A igualdade de condições nas práticas concorrenciais contribui para evitar prejuízos não somente às empresas, mas às diversas instâncias de governos e à sociedade brasileira como um todo.

2. Como o senhor vê a contribuição do ETCO para a melhoria do ambiente de negócios nestes quase 20 anos de atuação?

Tenho orgulho de ser um dos fundadores e ex-presidente do Conselho de Administração do ETCO. Lembro dos primeiros movimentos em torno da ideia, em 2002, quando alguns setores se reuniram para avaliar como seria possível melhorar o ambiente de negócios em nosso País, pois havia muitos desvios concorrenciais.

Nesses 20 anos, o ETCO se consolidou como fonte de referência na defesa de um mercado justo, em que todos os seus agentes possam ter igualdade de condições nas práticas concorrenciais

Posso citar como exemplo, a participação fundamental do ETCO, na aprovação do artigo 146 A da Constituição Brasileira, que autoriza a criação, por meio de lei complementar, de critérios especiais de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios concorrenciais.  Outro exemplo, foi a criação do Índice de Economia Subterrânea, que mede o tamanho da informalidade no País e é fonte segura para o desenvolvimento de políticas públicas que visem a redução da informalidade. Mais recentemente, o ETCO financiou um estudo sobre o Contencioso Tributário Brasileiro, que identificou entre outros pontos, a necessidade da Transação Tributária e a ampliação dos instrumentos de Mediação e arbitragem, como formas de redução deste problema.

3. E quais seriam os desafios para os próximos anos?

As conquistas acumuladas pelo ETCO são muito importantes e devem ser celebradas, mas ainda há muitas outras causas pelas quais o Instituto deve continuar lutando. Entre elas, a redução da carga tributária brasileira e o estabelecimento de critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência e a redução do prazo das discussões jurídicas no País – que demoram, em média, 17 anos, gerando um passivo gigantesco para a iniciativa privada.

Combater o devedor contumaz é fundamental em tempos de crise

Devo, não nego, e não pago! Esse é o lema do chamado “devedor contumaz” um empresário antiético que, diferentemente do devedor eventual, deixa de recolher tributos de forma sistemática, com o intuito premeditado de obter vantagem competitiva, gerando
assim desequilíbrios concorrenciais.

Como empresários ineficientes, que só funcionam por não pagarem impostos, geram um benefício (ilegal) e apenas sobrevivem à base de um custo artificialmente alcançado.

Em setores com alta carga tributária (combustíveis, cigarros, bebidas e medicamentos), de consumo imediato e baixa margem de retorno, o fato de não pagar impostos concede ao empresário devedor contumaz uma vantagem competitiva abissal.

Só para se ter uma ideia, em um maço de cigarro vendido a R$ 3, os impostos chegam a R$ 2. Da mesma forma, em um litro de gasolina C, cujo o custo ao consumidor final é em torno de R$ 3,50, o Fisco abocanha R$ 2.

Uma dúvida sempre aparece quando se debate este assunto: como essas empresas permanecem por tanto tempo à margem da legalidade? Apesar do evidente absurdo, a explicação é simples. O devedor contumaz necessita do litígio tributário com o Fisco para alongar a sua permanência no mercado. Discute e rediscute em processos administrativos e judiciais,
patrocina teses jurídicas esfumaçadas que confundem a Justiça e as procuradorias públicas.

Num momento de crise econômica e grande deficit de arrecadação, combater o devedor contumaz é uma necessidade para estancar a sangria da falta de pagamento de tributos em setores com alta inadimplência. Entre os 500 maiores devedores do país, há vários que
acumulam dívidas acima de R$ 1 bilhão.

Usam e abusam da morosidade da Justiça, da burocracia dos fiscos, valendo-se da jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal que proíbe ao Poder Público aplicar sanções políticas para cobrar tributos. Tais precedentes vêm de uma época em que havia tão somente a figura do devedor eventual, aquele que deixa de pagar impostos por uma dificuldade momentânea, passageira, cuja superação o coloca de volta à normalidade. Nesse caso, um programa de parcelamento gera resultados positivos.

Já o devedor contumaz age na contramão da ética. Deixar de pagar a dívida fiscal faz parte do negócio. A perda da arrecadação para o Fisco é permanente, nunca mais se recupera. O patrimônio dessas empresas, normalmente ocultado em nome de “laranjas”, alimenta a corrupção, o crime organizado e a lavagem de dinheiro.

A jurisprudência tradicional do STF sobre proibição de sanções políticas para cobrança detributos não cabe ser aplicada em casos de devedores contumazes. Abre-se um novo capítulo. Em análise de caso concreto, o STF já entendeu pela cassação do registro
especial de uma empresa de cigarros com grandes débitos fiscais, determinando, assim, o encerramento de suas atividades.

Nesses casos, há necessidade de bloqueio da função empresarial ou de cobrança antecipada dos impostos. O benefício do Estado vem com a preservação da arrecadação fiscal. O da sociedade, com um ambiente ético nos negócios.
Em um período da vida nacional em que os três níveis de governo penam com a falta de recursos, é urgente um olhar diferenciado sobre o devedor contumaz.

Os fiscos, as procuradorias, o Ministério Público e, especialmente, os magistrados precisam estar atentos a esse moderno fenômeno. Para combatê-lo, devemos ir além da tradicional aplicação do direito tributário. É fundamental preservar a ética concorrencial e
proteger o Estado.
LUCIANO DE SOUZA GODOY, ex-juiz federal, doutor em direito civil pela USP, é advogado e professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

 

Fonte: Folha de São Paulo (19/07)