Cidades seguras e éticas

É preciso pensar os diversos aspectos que impactam a evolução das cidades para que sejam mais acolhedoras

Edson Vismona, Exame|Bússola
21/10/2021

Aprendemos que, na essência, a civilização tem por fundamento a convivência. Na nossa evolução desenvolvemos meios para a solução dos conflitos, definindo regras, expressas em leis que devem por todos ser cumpridas.

Essa realidade fica ainda mais visível com o crescimento das cidades, em grandes aglomerações que abrigam mais e mais pessoas, desafiando a humanidade em encontrar soluções para a geração de empregos e renda; habitação; meio ambiente; mobilidade; lazer; cultura e, ainda, contenção da violência, em suma, respeito à dignidade.

No espaço urbano temos a expressão de grandes realizações e frustrações, onde a atração exercida pelo consumo se desdobra no crescimento do comércio e dos serviços.

 As atividades econômicas atraem investimentos e também a cobiça de quem quer agir na busca do lucro sem qualquer preocupação com as regras vigentes, procurando obter vantagens sem se importar com os meios. O respeito ao consumidor, às posturas municipais, à criação de empregos formais, ao pagamento de impostos é solenemente ignorado.

Interessante notar que essa postura, muitas vezes, é aceita por parte da sociedade que acha que a oferta de produtos e serviços de modo ilegal é aceitável, que não significa um problema que mereça maior atenção por parte do poder público.

Em verdade, constatamos que há sim uma perversão nessa prática relacionada com a ilegalidade, que afeta a todos. A inversão de valores contamina a nossa convivência, gerando mais e mais desigualdades, estimula a evasão de investimentos e fiscal, deteriorando as relações sociais, atraindo a violência.

Em uma visão mais restrita, é certo que o crescimento do comércio ilegal — distante de qualquer regulamentação, amplia o sentido de conturbação e desordem do espaço urbano e afasta o sentido de pertencimento do cidadão.

Áreas como as regiões da rua 25 de Março e Brás em São Paulo, e outras similares em grandes cidades brasileiras e em todo o mundo, atestam que a proliferação, sem restrições, de camelôs nas calçadas e de “shoppings” com milhares de boxes, sem respeitar normas relacionadas com a segurança, alugados para a venda de produtos ilícitos, prejudicam a compreensão de respeito ao espaço que é de todos e favorecem a ação de verdadeiras organizações criminosas que atuam desde o contrabando, falsificação e distribuição de mercadorias, até o tráfico de drogas, roubos e receptação.

A contenção dessa ocupação não inclusiva é uma obrigação das autoridades públicas e deve ser organizada de modo sistêmico e sistemático. A cidade de São Paulo tem avançado, de um lado, com as ações reiteradas de combate ao comércio ilegal, com a apreensão de mais de 3.500 toneladas de produtos ilícitos (contrabandeados, piratas, falsos e contrafeitos) e, de outro, incentivando o empreendedorismo popular, sem ilegalidade e desenvolvendo intervenções urbanas, devolvendo a “urbis” para a cidadania. Essa postura exige um forte compromisso da liderança política, pois, a prática criminosa encontra respaldo em extratos da sociedade com grande influência.

A segurança atrai a convivência nas cidades e engloba múltiplas iniciativas, políticas públicas envolvendo ações policiais e sociais, a participação da sociedade civil, apoio às medidas de inclusão e diversidade e também a racionalização da ocupação do espaço público É certo que a presença do Estado afasta a ação do crime.

Na próxima Exposição e Congresso Mundial “Smart City”, em Barcelona, serão abordados diversos aspectos que impactam a evolução das cidades para que sejam mais acolhedoras. Devemos acompanhar esses temas que têm direta relação com o nosso cotidiano e influenciam as nossas perspectivas de futuro.

Em resposta a líderes políticos que reverberam comportamentos desprezíveis, em vez de procurar servir como exemplo de retidão e respeito à lei, devemos valorizar iniciativas voltadas para a conscientização das pessoas, de estímulo à legalidade, à ética, que são necessárias para que possamos evoluir na construção de uma sociedade que valorize ganhos para todos e não vantagens para poucos. Resgatar o espaço público para as pessoas, afastando a ocupação por negócios escusos.