Três perguntas para Sérgio Almeida

Por ETCO
13/11/2014

Sérgio_Almeida_Professor_FEA_USP

 A OMS recomendou, em seu último relatório, a implementação de inúmeras medidas restritivas sobre a indústria de bebidas, com base nos dados apresentados. Essas ações são eficazes no combate ao consumo nocivo?

A OMS tem feito lobby junto aos governos para implementar uma agenda bastante ampla de medidas regulatórias sobre a indústria de bebidas alcoólicas. Entretanto, especificamente no Brasil, os dados sobre padrões de consumo são frágeis e insuficientes, e pouco sabemos ainda sobre o impacto (custo-benefício) dessas restrições. Precisamos, portanto, de mais informação antes de perseguir a implementação mais estrita desses compromissos. Atitudes tomadas com base em premissas erradas nem sempre geram os resultados desejados. O aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas ou a imposição de restrições em relação ao horário de venda de bebidas, por exemplo, possuem custos sociais que devem ser avaliados e comparados com as suas vantagens. O Governo pode usar o argumento da externalidade negativa (de que o consumo nocivo de álcool cria ônus para terceiros) como justificativa para uma taxação pesada do setor. Mas as evidências sugerem que isto não está funcionando. Pior: pode até agravar o problema, na medida em que a taxação do setor pode estar aumentando o consumo do chamado álcool ilegal, o que gera uma série de prejuízos para a sociedade.

 Para que haja um combate ao álcool ilegal é preciso conhecer melhor os números desse comércio. Quais seriam possíveis fontes de dados?

Há sempre uma enorme dificuldade no levantamento de informações de qualquer mercado ilegal. Não há registro formal dos estabelecimentos, e entrevistar seus participantes envolve, em algum nível, interação com ‘foras da lei’. Uma forma de descobrir o que está acontecendo com essa economia subterrânea é olhar tanto para variáveis observáveis sobre insumos do setor quanto correlacionadas ao consumo dessas bebidas ilegais. Podemos apurar também dados de apreensões. Neste caso, no entanto, a análise deve ser feita com bastante cuidado, já que uma diminuição na quantidade de produtos apreendidos não necessariamente significa a redução do consumo de produtos ilegais, podendo ser simplesmente resultado de um menor esforço de apreensão por parte das autoridades fiscalizadoras. Sabendo o tamanho deste mercado e quem o está financiando, é possível fazer estimativas sobre custos de propostas de combate. No caso específico do mercado de bebidas alcoólicas, temos que chamar atenção que há diversas modalidades de álcool ilegal. Bebidas contrabandeadas, por exemplo, geram perda de receita tributária, mas não são necessariamente prejudiciais à saúde. Já a adulteração de bebidas alcoólicas com substâncias impróprias para o consumo, além de prejudicar a indústria regularmente estabelecida e pagadora de impostos, pode trazer ônus para a saúde pública e, em última instância, para o bolso do contribuinte.

Quais fatores podem levar uma pessoa a migrar do mercado de bebidas legais para o consumo de álcool ilegal?

 Todo tipo de restrição imposta sobre o lado da oferta pode estimular o mercado ilegal. O aumento do preço, às vezes induzido por majoração de imposto, é um desses fatores. Veja o caso análogo do comércio de CDs e DVDs piratas: o elevado preço dos produtos originais, somado à facilidade em se conseguir produtos falsificados, gera uma demanda imensa. Ou seja: aumento de preço do produto legal combinado com um ambiente que pouco fiscaliza e pune os envolvidos no comércio ilegal de bebidas pode criar as condições favoráveis para o florescimento dessas atividades. Restrições de horário e mesmo a proibição total (uma lei seca por prazo mais longo) tendem a fazer com que as pessoas busquem fontes alternativas de consumo, ficando mais suscetíveis às bebidas ilegais. Um exemplo emblemático dos efeitos de restrições draconianas, como a proibição, ocorreu durante a lei seca nos Estados Unidos. Ela reduziu por um tempo o consumo de álcool, mas estimulou a produção paralela, onde não havia qualquer tipo de certificação ou controle de qualidade. Resultado: fora os prejuízos para os governos locais que perderam muito de sua arrecadação, o aumento no consumo de álcool ilegal causou um acréscimo no número de mortes – vale lembrar que a intoxicação por bebidas ilegais é muito superior àquelas produzidas pela indústria e que seguem padrões de qualidade estabelecidos por autoridades governamentais. Por fim, podemos dizer que em grandes eventos, se existe a proibição do consumo de bebidas alcoólicas, há margem para a atuação de vendedores não autorizados e que podem comercializar álcool ilegal. Se você adotar qualquer medida restritiva (taxação ou o que for), as pessoas vão responder (elas sempre respondem!), e essas respostas podem ter outros custos/benefícios sociais. Logo, antes de implementar restrições, o recomendável é que você tente antecipar as respostas, seus efeitos, e incorpore tudo isso em uma análise de custo-benefício o mais abrangente possível.