Everardo Maciel explica por que não acredita em projetos que sugerem refundar nosso sistema de impostos

Por ETCO
30/01/2019

A NOVA TEMPORADA DA REFORMA TRIBUTÁRIA

 

por Everardo Maciel*CLIQUE AQUI 3

Sistemas tributários são modelos vivos que retratam a complexidade das relações econômicas e sociais em uma sociedade. Há muitas razões contrárias a pretensões excessivamente ambiciosas de reforma tributária

 

A imperfeição e a complexidade do sistema tributário brasileiro, o que de resto são características comuns a todos os sistemas tributários, estimulam uma profusão de soluções plasticamente elegantes e disruptivas, mas que desconhecem os riscos e os custos inerentes a qualquer mudança.

Sistemas tributários resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos parlamentos. Não são maquetes, aplicativos ou, no passado, obras de monges copistas. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais em uma sociedade. São, pois, inevitavelmente imperfeitos e complexos.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, porque os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original.Legenda Everardo Maciel

A imperfeição e a complexidade estimulam novas concepções voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

São frequentes afirmações peremptórias que denunciam a complexidade, ineficiência e regressividade do sistema tributário brasileiro, sem que haja um debate minimamente consistente sobre a matéria.

Há muitas possibilidades de qualificação da complexidade. O que torna verdadeiramente complexo um sistema tributário é a sobrecarga de exigências burocráticas, profusão de regimes especiais e a indeterminação dos conceitos e morosidade processual que levam à insegurança jurídica.

Questões como número de alíquotas ou de tributos e sobreposição de incidências são facilmente superadas pelo uso de bons aplicativos de computador.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas, objetivando eliminá-los ou mitigá-los.

Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões excessivamente ambiciosas de reforma tributária.

Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para decisão sobre investimentos privados.

Em entrevista a Veja (27/09/2017), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação em relação à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável.

Em entrevista ao Financial Times, veiculada em Valor (28/04/2017), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer a nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países, construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias.

O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), complexo, vulnerável à sonegação (o carrossel ou passeio de notas é uma modalidade de evasão bem conhecida na Europa) e incapaz de assimilar adequadamente a economia digital.

É bom prestarmos atenção no que se debate na fronteira da política tributária. Com sólido substrato acadêmico, nos Estados Unidos já se discute a formulação de um modelo de tributação da renda consumida, que agrega características do IVA e do Imposto de Renda, inovando-as.

Enquanto isso, no Brasil, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário.

A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados.  O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo.

O processo, desde o lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos.

Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a verdadeira reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Ela, contudo, não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário.

As pretensões ambiciosas, ao exacerbarem os conflitos tributários, inclusive no âmbito do federalismo fiscal, findam sempre em impasses, além de retirarem o foco das enfermidades tributárias brasileiras. É oportuno lembrar o ensinamento de Einstein: “é insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.