Mediação tributária tem pouco destaque no Brasil e é trocada por transação

Receita Federal e PGFN focam ações em modelo distinto, mas considerado eficiente para a resolução de conflitos

Alexandre Leoratti, Portal Jota, 31/08/2021
01/09/2021

A mediação é uma das alternativas de resolução de conflitos para evitar enxurradas de processos no Judiciário e uma possibilidade com pouco custo para empresas e pessoas físicas. Entretanto, a metodologia, para casos tributários, ainda não é utilizada no Brasil. Especialistas entrevistados pelo JOTA afirmam que a dificuldade de negociação com o fisco faz com que essa modalidade extrajudicial tenha uma evolução lenta na relação entre os contribuintes com a administração pública tributária.

Além disso, órgãos como Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional têm focado os seus estudos e testes de resolução de conflitos no modelo da transação tributária, uma modalidade de extinção do crédito tributário por meio de negociações entre contribuintes e fisco.

A transação tributária, segundo advogados, apresenta diferenças em relação à mediação, que abre um maior espaço para negociações e, inclusive, reduções nos valores das dívidas tributárias principais. A transição, por outro lado, apresenta um modelo “mais rígido” de redução de encargos, apesar de ser considerada altamente eficiente pela administração pública.

“A utilização da mediação exige uma mudança prévia de comportamento: as partes devem estar abertas ao diálogo, ouvir o outro, e discutir, abertamente, até chegarem, elas mesmas, a um consenso. O mediador apenas auxilia as partes a elas próprias chegarem ao consenso. Seria, portanto, um estágio mais avançado da administração pública dialógica”, explica Leonardo Varella, do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

Ele acrescenta que já existem instrumentos normativos para a mediação e que podem ser utilizados na área tributária como forma de redução de conflitos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal administrativo que julga processos de tributos federais, e no Judiciário. O advogado cita o artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC) de 2015.

O texto estabelece que o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

“É o chamado sistema multiportas. Há instrumento para isso. Em termos de política pública e judiciária também, pois desde 2009 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) incentiva o uso de métodos compositivos e extrajudiciais”, afirmou Varella.

CCAF

Ainda na administração pública, especialistas destacam Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), que faz parte da Advocacia-Geral da União. A CCAF tem como objetivo a “prevenção e solução consensual de conflitos que envolvam órgãos da administração pública federal, autarquias ou fundações federais”, conforme informa o seu site. A CCAF está presente nos estados por meio das Câmaras Locais de Conciliação.

Apesar da iniciativa, a CCAF não é exclusiva e especializada somente em demandas tributárias. “Provavelmente, um modelo de mediação tributária deve iniciar com débitos mais baixos para ver se funciona bem, com isonomia, impessoalidade e eficiência”, explica Varella.

Para ele, um estágio avançado na mediação tributária só será alcançado quando se discutir situações complexas, “Acho difícil chegarmos neste estágio enquanto a administração fazendária tiver em mente uma compreensão de indisponibilidade de crédito tributário tão rígida e engessada”, concluiu.

Soluções Atuais 

Com a mediação tributária ainda sem perspectiva de evolução no Brasil, a solução adotada pelo fisco e contribuintes foi a transação tributária. Esse método de resolução de conflitos tributários já é usado no país. Em maio de 2021, por exemplo, a Receita Federal anunciou a criação de um modelo de transação exclusivo para discussões tributárias envolvendo Participação nos Lucros e Resultados (PLR), uma das teses mais polêmicas no mundo tributário.

A medida da Receita Federal permite o parcelamento de débitos em até 55 meses com até 50% de redução do valor principal, multa e juros. Outra medida similar ocorreu no município de Blumenau, em Santa Catarina. A ação foi vencedora do prêmio Innovare de 2020, que celebra as principais ações de aprimoramento da Justiça brasileira.

O modelo de transação tributária de Blumenau começou em 2018, após ser regulamentado pela Lei Municipal nº 8.532/17. Até o momento, foram realizadas 1,1 mil audiências com acordo, com o encerramento de 1,9 mil processos de execução fiscal. O valor arrecadado é de R$ 2,9 milhões.

O projeto de transação em Blumenau oferece descontos com base  no histórico fiscal do devedor, na sua condição econômica e nas chances de êxito do município na cobrança judicial, e podem chegar a até 100% sobre juros e multa e 70% sobre o crédito principal.

“O objetivo maior foi o de aumentar a arrecadação em Blumenau, considerando o momento de crise econômica vivido pelos municípios. Uma segunda finalidade da medida foi diminuir o fluxo de processos de pequenos valores, por meio da transação, a fim de que a procuradoria do município e o juiz da vara da Fazenda pudessem trabalhar em causas com quantias mais vultosas”, explica Cleide Pompermaier, procuradora do Município de Blumenau e uma das idealizadoras do projeto.

O projeto de transação em Blumenau oferece descontos com base nas chances de êxito do município na cobrança judicial, e podem chegar a até 100% sobre juros e multa e 70% sobre o crédito principal.

Para fazer parte do programa, o contribuinte deve ter em seu desfavor execução fiscal ajuizada até dezembro de 2014, com valor da causa não superior a 40 salários mínimos. Ademais, o contribuinte não pode estar respondendo a processo por crime contra a ordem tributária e nunca ter transacionado créditos municipais antes.

“Todos ganham com a transação, mas um ponto que deve ser ressaltado é o da relevância da democracia fiscal nesse mecanismo porque com a adoção desse instituto, as partes podem ‘sentar e conversar’, o que era impensado em anos anteriores, sem contar com a humanização do processo bastante evidenciado no modelo adotado pelo Município de Blumenau”, afirmou Pompermaier sobre os benefícios do programa.

**Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial.

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