O passivo tributário brasileiro

A busca de soluções para esse problema grave, com valores que chegam a trilhões, deve ser prioridade na administração pública

Edson Vismona, Exame.com|Bússola
20/05/2021

Não há empresa que sobreviva sem ser eficaz na gestão dos recebíveis. Essa atenção é absolutamente estratégica para o equilíbrio, manutenção e progresso de qualquer instituição, que deve planejar o seu fluxo de pagamentos e recebimentos. Com o Estado não é diferente. O governo deve organizar suas contas e atuar para ter eficácia no recebimento dos impostos e controle de gastos, sob pena de ficar inviável a sua administração e o atingimento de suas metas, absolutamente necessárias para alcançar o necessário bem comum.

No Brasil, há décadas, temos um desequilíbrio nessa equação básica da administração. O nosso sistema tributário foi sofrendo distorções, com a edição de milhares de normas tributárias, criação de obrigações acessórias e assim, gerando interpretações e teses várias que dificultam a compreensão do que efetivamente é devido. Resultado: Aumento expressivo do contencioso tributário e o estoque de “recebíveis” cresce ano a ano. Perdem o fisco e os contribuintes.

Estudo internacional, patrocinado pelo Instituto ETCO e realizado pela EY indica que há R$ 3.4 trilhões de passivo tributário (só no âmbito do fisco federal) e que as discussões nos níveis administrativo e judicial se alongam e chegam a durar quase vinte anos. Outros estudos apontam que se somarmos os débitos dos fiscos estaduais e municipais estima-se que esses débitos chegam a R$ 5.0 trilhões. Claro que desse montante, uma expressiva parcela é impagável, porém não é nada desprezível o que poderá ser recebido mediante soluções alternativas: transação, mediação, arbitragem.

Em recente pronunciamento, o ministro Paulo Guedes abordou o “manicômio tributário” do país e apontou para a necessidade de se aprofundar os processos de transação tributária, que já teriam resultado na arrecadação de cerca de R$ 80 bilhões pela PGFN. Essa constatação fortalece os trabalhos que estão em curso para superar esse quadro insustentável, permitindo a regularização fiscal de contribuintes e a arrecadação pelo fisco de vultosos recursos, especialmente em um momento de profundo aperto nas finanças públicas.

A diminuição desse passivo não passa por mais um REFIS, mas por uma verdadeira reestruturação do processo tributário, que viabilize não uma medida circunstancial e sim o encaminhamento institucional e eficaz, saindo do enfrentamento para a conciliação.

Assim, temos que tratar do passado, estimulando a transação. Avançamos com a Lei nº. 13.988/2020 e tanto a RFB, como a PGFN, têm caminhado na composição de dívidas tributárias. Para aumentar a adesão às propostas de negociação, os tributaristas têm defendido que sejam ampliadas as situações que contemplem a transação, que seja aumentado o porcentual do limite de desconto (que é de 50%) e a inserção de teses que impactam grandes demandas em discussão. Nessa mesma linha, auspicioso o convênio da Receita Federal com o Conselho Nacional de Justiça que apresentará um diagnóstico sobre o contencioso e a proposta de reforma do processo tributário.

Já para o futuro, as soluções alternativas de conflito: mediação, conciliação e arbitragem devem ser implantadas. No mencionado estudo ETCO/EY foi analisada a situação de seis países (EUA, México, Portugal, Índia, Alemanha e Austrália) em todos (exceto a Índia) essas medidas estão contempladas, mesmo durante a fiscalização. É premente que o mesmo ocorra no Brasil.

Essas iniciativas devem ser encaradas pelo fisco, legisladores e o Judiciário com prioridade.  Está sendo trilhado o caminho, mas temos urgência, mesmo porque, há quem se beneficie dessa situação, os devedores contumazes, empresas que se estruturam para nunca pagar impostos e que já geraram dívidas ativas de mais de R$ 100 bilhões (só nos setores de combustíveis e tabaco).

Independentemente da reforma tributária, a reestruturação do processo tributário se impõe. O desafio é que seja superada a situação atual, envelhecida, e tenhamos a ousadia em aprovar uma estrutura ágil e eficaz para a solução de conflitos, redirecionando a relação do fisco com o contribuinte, do conflito para o entendimento. Segurança jurídica e a diminuição desse passivo equivalente à metade do PIB brasileiro, serão os resultados, para isso temos que superar velhos dogmas.