Por que o Senado precisa aprovar o PLS 284/17?

Artigo do presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, publicado no jornal Correio Braziliense e na revista ETCO

por Edson Vismona
10/02/2020

O Brasil precisa acabar com a famigerada indústria dos devedores contumazes de tributos. A oportunidade de realizar esse feito está hoje nas mãos dos 81 senadores do País, mais precisamente na votação do Projeto de Lei do Senado 284/2017, que autoriza a criação de regras mais duras contra essa figura perversa que corrói o ambiente de negócios e a arrecadação de impostos do Estado brasileiro.

Devedor contumaz é o nome dado a um tipo defraudador que monta sua empresa com o propósito de não pagar imposto. Ele usa essa vantagem ilícita para praticar preços abaixo do custo e ganhar mercado rapidamente. Além disso, sua estratégia consiste no uso de artimanhas para prolongar ao máximo os processos na Justiça, ao mesmo tempo em que desvia os lucros para outras atividades, mantendo seu negócio registrado em nome de “laranjas”. Quando o Estado vence o processo em última instância, não consegue cobrar a dívida e os criminosos recomeçam o mesmo esquema.

Os devedores contumazes agem sobretudo em segmentos de alta tributação. No setor de combustíveis, seus débitos já ultrapassam R$ 60 bilhões; no de tabaco, superam R$ 32 bilhões; no de bebidas, R$ 4 bilhões. Apenas nessas três áreas são mais de R$ 96 bilhões, cerca de 10% da economia anual prevista com a reforma da Previdência.

Sua concorrência desleal inviabiliza a atuação de empresas que recolhem seus tributos corretamente e afasta investimentos. Ela foi apontada como uma das causas da decisão de grandes grupos multinacionais do setor de distribuição de combustíveis de deixarem o Brasil.

E por que tem sido tão difícil acabar com essa praga no País? Basicamente, porque o sistema legal brasileiro não diferencia o devedor contumaz de outros tipos de devedores e os mal-intencionados acabam se aproveitando de mecanismos de proteção que existem para garantir os direitos legítimos dos devedores de boa-fé.

É importante ressaltar que o problema aqui não é simplesmente o dever imposto.  Toda empresa está sujeita a passar por momentos de dificuldade e ficar sem dinheiro em caixa para pagar impostos ou outras dividas. Por vezes, pode ocorrer de deixar de recolher devidamente os tributos, por um período, para futuramente colocar as dívidas em dia. Mas essa compreensão não pode ser aplicada ao devedor contumaz.

O artigo 146-A da Constituição Federal, aprovado por emenda constitucional em 2003, autorizou o Estado a criar regimes especiais de tributação e fiscalização para casos que provocam desequilíbrios concorrenciais, condicionando sua adoção à aprovação de lei complementar especifica pelo Senado Federal. É esse o propósito do PLS 284/2017, que tramita na Casa há dois anos, foi aprovado nas Comissões de Assuntos Econômicos e de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, e está pronto para ir a plenário.

O PLS faz distinção objetiva entre os três tipos de devedores: o devedor eventual, para o qual nada muda, o devedor reiterado, que também continuará contando com as atuais proteções legais desde que não utilize a vantagem tributária para praticar concorrência desleal, e o devedor contumaz, alvo da lei.

 “Trata-se de criminoso, e não de empresário, que se organiza para não pagar tributos e, com isso, obter vantagem concorrencial, entre outras. Para tanto, viola sistematicamente o ordenamento jurídico, praticando inúmeros ilícitos, comumente mediante a utilização de laranjas, registro de endereços e sócios falsos, possuindo, invariavelmente, patrimônio insuficiente para satisfazer obrigações tributárias, trabalhistas etc.”

O objetivo do PLS 284/2017 é interromper rapidamente a ação criminosa dos devedores contumazes. O foco é a defesa da ética concorrencial e da legalidade, fundamentais para o investimento empresarial e o desenvolvimento econômico. “Uma vez apurada a contumácia da conduta, esta deverá ser reprimida, de forma rigorosa e exemplar, mediante sanções jurídicas que impeçam a continuidade das atividades do agente (interdição do estabelecimento, cassação de inscrição no cadastro de contribuintes), de preservar o Erárlo e o mercado, que tem na livre concorrência um de seus princípios fundamentais, como elo indissociável da livre iniciativa.”

O projeto enumera uma série de medidas que poderão ser adotadas especificamente contra os devedores contumazes, como a manutenção de fiscalização ininterrupta no estabelecimento; o controle especial do recolhimento do tributo, de informações econômicas, patrimoniais e financeiras; a instalação compulsória de equipamentos de controle de produção, comercialização e estoque; entre outras.

O texto em tramitação limita inicialmente o alcance da lei aos setores de combustíveis, tabaco e bebidas, que são os mais afetados pela concorrência desleal dos devedores contumazes, e tem o apoio do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e das principais entidades representativas desses segmentos.

O tema é urgente. O Brasil não pode mais permitir que agentes económicos desonestos continuem destruindo o ambiente de negócios. O lucro por meio de uma prática ilícita prejudica todos os brasileiros que dependem dos serviços públicos financiados por impostos. A solução está com o Senado Federal.