Sonegação impõe pesados custos aos bons pagadores

Por ETCO
12/09/2011

Veja Online – 11/09/2011

A Operação Alquimia, deflagrada em 17 de agosto pela Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público Federal, desmantelou uma quadrilha acusada de sonegar ao menos 1 bilhão de reais em impostos. O esquema – uma das maiores fraudes tributárias da história do Brasil –envolvia 300 companhias do ramo químico, tinha ramificações em paraísos fiscais e era investigado pelas autoridades desde os anos 90. Contudo, os desvios realizados pela organização criminosa são apenas a ponta do iceberg. Estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) relativas a 2008 mostram que as empresas sonegam anualmente cerca de 200 bilhões de reais (confira quadro com números da sonegação no país). Somados os desvios das pessoas físicas, o montante sobe para 261 bilhões de reais – equivalente a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) e mais que os orçamentos somados dos ministérios da Saúde e da Educação, e do Programa Bolsa-Família, de 156 bilhões de reais. Tamanho desvio não é algo que simplesmente passe em branco, sem deixar consequências.

O rombo deixado pela sonegação traz efeitos nefastos para a sociedade, posto que o governo tem quase um décimo do PIB a menos para fazer investimentos. Além disso, para custear as enormes despesas do estado gastador e cumprir as metas de superávit primário – economia para reduzir o endividamento de longo prazo –, todo o esforço de arrecadação do governo recai unicamente sobre os bons pagadores deste país. Neste sentido, proteger o estado destes malfeitores pode ser entendido como uma política de justiça social. (Veja alguns casos de sonegação que ganharam as páginas dos jornais)

Competição desleal – O problema atinge, em cheio, o próprio setor privado. As empresas que se “beneficiam” do não pagamento de impostos conquistam uma vantagem competitiva ilegal, causando distorções no mercado. “As empresas que fazem tudo corretamente e pagam seus impostos em dia sofrem prejuízos concorrenciais. Logo, acabam por aumentar os preços ou desistem de investir em inovação”, explica Roberto Abdenur, ex-embaixador e presidente doInstituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).

Outro elemento inerente à sonegação no Brasil é o gigantismo da economia informal: de 18,3% do PIB em 2010, segundo uma pesquisa realizada pelo ETCO em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Hoje há uma pressão das empresas por maior formalização, o que vai ao encontro dos anseios do governo. No varejo, por exemplo, os concorrentes que mais incomodam são aqueles que vendem sem nota fiscal”, explica Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP).

Os criminosos que se ultilizam da sonegação para se apropriar de uma verba que é, em última instância, de todos também costumam se valer do complexo sistema tributário brasileiro para praticar seus delitos. “Ao todo, existem aproximadamente cem tipos de impostos, 16.000 normas e leis e 180.000 artigos que versam sobre tributos no Brasil. Isso não é um sistema, é um cipoal”, afirma o advogado tributarista Miguel Silva. “Não importa que o sistema é complexo, nem que a carga é pesadíssima. Estamos diante de algo que lesa a sociedade honesta. O que é devido tem de ser pago”, diz o advogado Fernando Steinbruch, do IBPT.

Casos de sonegação que ganharam as páginas dos jornais:

2007 – Renascer

Em 2007, um escândalo se abateu sobre a Igreja Renascer em Cristo. Seus fundadores, a bispa Sônia Hernandes e seu marido, apóstolo Estevam Hernandes, foram presos ao tentar entrar nos Estados Unidos com mais dinheiro que os 10 mil dólares que tinham declarado. Imaginando que passariam incólumes pela fiscalização, o casal distribuiu seus recursos em uma bolsa, um porta-CDs, uma mala e até numa Bíblia. A estratégia deu errado e as autoridades americanas acabaram apreendendo 56 mil dólares. A ação, na verdade, havia sido arquitetada previamente pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, e o FBI. O casal fugia justamente da prisão que havia sido pedida pelo MP por acusações de estelionato, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal – a Receita investigava, na época, contas bancárias ligadas ao Grupo Renascer, nas quais foram movimentados cerca de 46 milhões de reais não-declarados. O tempo passou, o caso esfriou e a Bispa deu a volta por cima. Ela, inclusive, acaba de lançar um livro, Vivendo de Bem com a Vida, em que relata histórias pessoais. A obra, claro, ignora o episódio da prisão do casal.

2009 – Daslu

Em março de 2009, a empresária Eliana Tranchesi, seu irmão, Antonio Carlos Piva de Albuquerque, e outras quatro pessoas foram condenadas e presas pelos crimes de formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documentos. Tranchesi – dona da tradicional boutique Daslu, voltada à venda de artigos de luxo na capital paulista – conseguiu um habeas corpus e foi libertada. Os outros acusados também foram soltos pouco tempo depois. As investigações sobre o esquema de contrabando e fraude começaram quatro anos antes dos mandados de prisão com a apreensão de uma nota fiscal da grife Gucci em um contêiner no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. O documento comprovava a venda direta da marca italiana para a Daslu. Contudo, outro recibo, apresentado pela empresa à Receita, informava que a tal mercadoria tinha sido adquirida por uma importadora e chegado ao país vinda de Miami, nos Estados Unidos. Em julho de 2010, a empresa entrou em regime de recuperação judicial e, em fevereiro deste ano, foi vendida ao fundo Laep Investimentos, do empresário Marcos Elias, ex-controlador da Parmalat. No mesmo ano do escândalo da Daslu, em 2009, outra empresária do ramo de luxo caiu na malha fina. Tânia Bulhões, dona de uma rede de lojas, foi acusada de importação ilegal e evasão de divisas, tendo sido condenada a prestar serviços comunitários.

2011 – Máquina de Vendas

O empresário Ricardo Nunes – sócio da varejista Máquina de Vendas, resultante da fusão entre a rede Ricardo Eletro, que ele fundou, com a nordestina Insinuante – foi condenado em agosto a três anos e quatro meses de prisão por crime de corrupção ativa. O motivo foi uma denúncia da Procuradoria da República de que ele teria pagado propina a um auditor fiscal da Receita para que sua empresa não fosse autuada. O profissional em questão, Einar de Albuquerque Pismel Júnior, foi preso em flagrante, em setembro do ano passado, com 50.000 reais e 4.000 dólares em dinheiro vivo quando saia do escritório da Ricardo Eletro, na zona sul de São Paulo. O advogado de Nunes alega inocência de seu cliente e entrou com recurso no Tribunal Regional Federal.

2011 – Ivete Sangalo

Nem a cantora baiana Ivete Sangalo escapou do “Leão”. Em seu caso, a denúncia veio de uma pessoa próxima. Seu ex-baterista, Antônio da Silva, conhecido como Toinho Batera, processa a equipe da cantora por não ter recebido direitos trabalhistas ao deixar o emprego. A indenização pedida por Batera é de 5 milhões de reais. No caso da fraude que envolve Ivete, a suspeita é que tenha sido aberta uma empresa de fachada, a Banda do Bem Produções Artísticas, apenas para pagar os salários dos profissionais de sua banda. De acordo com o advogado de defesa de Silva, Willer Tomaz, os músicos foram nomeados sócios da empresa em questão. Assim, a verdadeira contratante dos funcionários, a Caco de Telha Produções Artísticas, não pagava benefícios como 13º salário, férias e fundo de garantia, além de sonegar impostos. Tanto a Banda do Bem quanto a Caco de Telha são controladas por Luiz Paulo de Souza Nunes, cunhado e sócio de Ivete Sangalo. O processo corre na Justiça e ainda não tem data para ser julgado.

2011 – Galeria Pagé

Com mais de 1,4 milhão de visitantes ao mês, a Galeria Pagé, em São Paulo, era conhecida como a meca dos produtos falsificados, contrabandeados e que não haviam recolhido impostos aos cofres públicos. Em abril deste ano, o local chegou a ser fechado por conta de uma operação conjunta de prefeitura, Secretaria de Segurança Pública, Receita Federal, Ministério da Justiça e Vigilância Sanitária. Na ocasião foram apreendidos cerca de um milhão de produtos, entre relógios, óculos, vestuários, tênis, brinquedos e eletrônicos, extraídos de 148 lojas diferentes e 50 pessoas foram presas. O prédio ficou fechado por dez dias. Depois desse período, o empreendimento foi reaberto com a ideia de, aos poucos, ser transformado em um moderno outlet. O local, porém, não se mostrou ainda muito diferente.

O trabalho realizado pela Receita Federal, aliado à tecnologia, tem permitido avanços. Os especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam, em uníssono, que vem se tornando mais difícil para as companhias realizarem fraudes tributárias. Boa notícia àqueles que pagam pontualmente suas obrigações e que, justiça seja feita, podem sonhar em ter seu quinhão do árduo peso do estado reduzido.