STF definirá se fábricas de cigarro podem ser fechadas por inadimplência com a Receita

Por ETCO
26/10/2015

Depois de exatos cinco anos, o Supremo Tribunal Federal poderá retomar nesta quarta-feira (21/10) um julgamento que opõe fabricantes de cigarros e coloca na berlinda uma lei editada na ditadura militar que autoriza a produção e a venda de fumo apenas pelas indústrias em dia com a Receita Federal.

Além de envolver poucas empresas e ser um setor altamente regulado, a discussão é bilionária. Segundo a Receita, foram fechadas 12 empresas por inadimplência nos últimos anos. Juntas, elas devem R$ 14,3 bilhões.

A peculiaridade do setor de cigarros, porém, faz com que a discussão não coloque em pólos apostos apenas contribuintes inadimplentes e a União, mas também fabricantes de cigarros contra seus concorrentes. Com uma carga tributária de 65% do preço de um maço de cigarro, a falta de pagamento de impostos, inevitavelmente, gera reflexos no valor final do produto.

“Distorções na carga tributária decorrentes do reiterado não pagamento de tributos terminam por ocasionar vantagem indevida aos agentes sonegadores, gerando um desequilíbrio que prejudica as demais empresas”, afirma Evandro Guimarães, presidente do Instituto Brasileiro de ética Concorrencial (ETCO), que atua como amicus curiae, no julgamento.

Fábricas forçadas a fechar as portas levantam a livre iniciativa, garantida pela Constituição, e classificam como sanção política atos do Estado que vedam ou criam obstáculos a atividades econômicas como forma de constranger o contribuinte a pagar tributos.

Retomada

A partir do voto vista da ministra Cármen Lúcia, os ministros baterão o martelo sobre a constitucionalidade do inciso II do artigo 2ª do Decreto-Lei 1.593, de 1977. A norma autoriza a Receita a cancelar o registro especial da fabricante em caso de inadimplência de tributos ou descumprimento de obrigações acessórias, como entrega de declarações. Na prática, a ausência de registro especial impede as fábricas de funcionar.

A União defende o posicionamento adotado pelo ministro aposentado Joaquim Barbosa, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3952. No início do julgamento, em 21 de outubro de 2010, Barbosa afirmou que a medida só não seria interpretada como sanção política para forçar o contribuinte a pagar tributos se três parâmetros forem obedecidos: a relevância do valor do débito e o devido processo legal para que a empresa possa recorrer da punição e também da cobrança dos impostos.

Diante de inúmeros precedentes e das súmulas 70, 323 e 547 do Supremo que impedem o Fisco de restringir a atividade empresarial como forma de cobrar impostos, a União ficou sem saída senão defender a aplicação da regra seguindo os requisitos fixados. Em 2001, o governo alterou o decreto de 77 por meio da Medida Provisória 2152-35 para prever que os fabricantes sejam intimados de sua situação fiscal e possam recorrer do cancelamento do registro especial.

Os procuradores têm tentado demonstrar aos ministros que os montantes devidos ao Estado são substanciais. Além disso, têm diferenciado casos de atrasos no recolhimento de situações de inadimplência contumaz.

“Não é qualquer situação que enseja o fechamento. Mas essa medida deve ser adotada quando a empresa sistematicamente não paga tributos e utiliza isso para ter vantagens indevidas frente à concorrência”, afirma um advogado público, acrescentando que a ponderação da livre iniciativa com outros princípios, como o da saúde pública, autoriza a restrição da atividade. “Existem atividades econômicas livres e outras toleradas, como é o caso da fabricação e venda de cigarro.”

De acordo com o presidente do ETCO, mais de 10 anos de atuação no setor de cigarros demonstrou que as empresas que acumulam dívidas sistematicamente não pretendem quitar seus débitos.

“Além disso, dificultam a fiscalização recusando-se a mostrar seus livros ficais ou impedido o acesso ao estabelecimento, fomentam a corrupção, obtém vantagens com o repasse para os preços de seus produtos e desta forma, impedem que o Estado recupere os tributos. Tratam-se daquelas empresas que nós chamamos de Devedoras Contumazes”, afirma Evandro Guimarães.

Precedente

Em 2013, o Supremo chancelou o cancelamento do registro especial ao julgar o caso da fabricante de cigarros mais inadimplente do país (RE 550.796/RJ). Segundo a Receita, a American Virginia Indústria Comércio Importação e Exportação de Tabacos deve, atualmente, mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos, e é a nona maior devedora da Receita Federal.

Na ocasião, a maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que reforçou sua posição sobre a constitucionalidade da cassação do registro especial, desde que observados os três requisitos.

“A meu juízo, o entendimento no sentido da inconstitucionalidade das sanções políticas não contempla o desrespeito reiterado à legislação tributária”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.

Os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello ficaram vencidos. Entenderam que o fechamento da empresa seria uma espécie de sanção política.

“Trata-se de medida desproporcional e em frontal descompasso com os princípios constitucionais da livre iniciativa e do devido processo legal”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, no voto, acrescentando que os efeitos da sonegação na concorrência não justificariam a medida.

O Supremo ganhou dois novos integrantes de lá para cá: os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, que não votará no julgamento da ADI 3952 por ter substituído o relator, ministro Joaquim Barbosa.

Diante da fixação de parâmetros adotada pelo Supremo, é que especialistas afirmam que o Judiciário continuará analisando situações concretas caso a Corte declare o cancelamento do registro especial constitucional.

Guerra de liminares

Atualmente, 15 fabricantes estão autorizadas a operar. Mas duas só estão com as portas abertas por determinação judicial. É o caso da Cia Sulamericana de Tabacos e da Congo Indústria e Comércio de Cigarros, Importação e Exportação.

A União contesta no Supremo Tribunal Federal (STF) as liminares que autorizam a manutenção das atividades das duas empresas.

O caso da Sulamericana, por exemplo, já teve idas e vindas. No Supremo, a discussão corre em segredo de justiça (STA 752). A briga, atualmente, é em relação aos percentuais da dívida que estão exigíveis e com a exigibilidade suspensa, por parcelamentos ou questionamentos da cobrança na esfera administrativa e no Judiciário.

Em agosto, o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, reconsiderou decisão proferida por ele três meses antes que cassava liminar concedida à empresa pela 5ª Vara Federal do Distrito Federal e mantida pelo TRF-1.

Na primeira decisão, Lewandowski considerou que a continuidade da companhia sem o registro traria risco de dano à saúde pública e à economia. Na segunda, reverteu a ordem para manter a empresa aberta. O ministro acatou os argumentos da companhia de que apenas 15,45% da dívida total da empresa seriam plenamente exigíveis. O percentual corresponde a R$ 167,2 milhões. Outros 84,54% estariam com a exigibilidade suspensa, ou seja, a empresa estaria discutindo a cobrança ou teria parcelado esse passivo.

Lewandowski distinguiu os casos da Sulamericana e da American Virginia, que, segundo ele, tinha mais débitos exigíveis do que com a exigência suspensa. Aplicou ainda ao caso da Sulamericana os parâmetros fixados no leading case, especialmente o do devido processo legal para discutir os débitos tributários. Para Lewandowski, o fechamento seria desproporcional visto que a empresa questiona grande parte das dívidas.

“Em funcionamento, a empresa terá mais chances de quitar os seus débitos e de discutir, em sua plenitude, a legalidade da constituição dos créditos tributários”, afirmou.

Recurso

A Fazenda Nacional recorreu da decisão, apontando erro material. Segundo o Fisco, a Sulamericana acumula uma dívida de R$ 810,5 milhões. Deste montante, R$ 347,8 milhões ou 47% do total seriam exigíveis – e não 15,45% como apontara a empresa.

A advogada da Sulamericana, Vera Carla Nelson Cruz Silveira, afirma que quase a totalidade da dívida da fabricante estava parcelada.

“Com a interdição, ficou inviável pagar o parcelamento e o débito aumentou”, diz, distinguindo os casos da Sulamericana e da American Virginia.

Apesar da decisão favorável no Supremo, a Sulamericana, que tem sede em Duque de Caxias (RJ), não voltou a operar. “Desconheço o motivo, a Anvisa tem exigido coisas absurdas… Mas estamos tomando medidas para tornar a decisão eficaz no futuro”, afirmou.

A União também tenta derrubar no STF a tutela antecipada concedida pelo TRF-1 à Congo Indústria e Comércio de Cigarros (STA 759). No parecer enviado ao presidente Ricardo Lewandowski, o Ministério Público Federal afirma que há risco de lesão às ordens pública e econômica com a continuidade das atividades da empresa.

A procuradoria defende o acerto do cancelamento do registro especial baseando-se na primeira decisão de Lewandowski no caso da Sulamericana e no Recurso Extraordinário 550.769 que, segundo o MPF, sedimentou a constitucionalidade do Decreto-Lei 1.593/77.

“No caso, está demonstrado que o registro especial foi indeferido exatamente em decorrência do descumprimento substancial, reiterado e injustificado das obrigações tributárias pela empresa interessada e pelo seu envolvimento e de seus sócios na prática de diversos crimes, dentre eles, o de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica e evasão de dívidas”, afirma o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no parecer.

O JOTA tentou contato com o advogado da empresa, mas não obteve sucesso.

 

Fonte: Portal Jota (21/10)

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