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Seminário sobre segurança jurídica tributária

Evento realizado pelo ETCO reuniu alguns dos maiores tributaristas do País

Everardo Maciel, presidente do Conselho Consultivo do ETCO, em debate com o professor da USP Heleno Torres.

Por ETCO
19/03/2020

O ETCO vem atuando para tornar o tema da segurança jurídica tributária mais presente no debate nacional. Um trabalho nesse sentido foi a realização do seminário Tributação e Segurança Jurídica, que reuniu grandes nomes do Direito para discutir as causas e soluções para a crescente insegurança do sistema tributário nacional. O evento aconteceu em junho, em São Paulo, e contou com o apoio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA).

Os palestrantes foram os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres e Humberto Ávila; o advogado e professor Roberto Quiroga, da USP e da FGV Direito SP; o advogado e conselheiro do ETCO Hamilton Dias de Souza; e o advogado Gustavo Brigagão, presidente da ABDF. Eles abordaram diferentes aspectos do tema e participaram de debate com o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e presidente do Conselho Consultivo do ETCO, que coordenou o evento.

As palestras foram gravadas em vídeo e transcritas e estão disponíveis no site do ETCO. Também foram sintetizadas pelos jornalistas Oscar Pilagallo e Fernando Mello no livro Segurança jurídica e tributação, lançado com o apoio do ETCO.

Confira um resumo dos temas tratados pelos palestrantes:

 

Heleno Torres

Segurança para atrair investimentos

Para o professor Heleno Torres, é preciso tornar o Brasil em um lugar em que “as pessoas saibam exatamente quais são os tributos que devem pagar e quais são as obrigações que devem cumprir e, ao mesmo tempo, constituir um estado de segurança, um estado de normalidade, onde o ambiente de negócios possa favorecer novos investimentos”. Ele lembrou que a situação atual não interessa aos contribuintes nem ao fisco, que não consegue arrecadar os valores em disputa no contencioso.

Heleno destacou a urgência de uma reforma no sistema de consultas para torná-lo efetivo na solução de dúvidas dos contribuintes e redução dos conflitos. Defendeu um esforço de uniformização de entendimentos no julgamento de processos tributários, para evitar que casos iguais tenham resultados distintos em diferentes instâncias. E falou sobre a necessidade de controlar os excessos do fisco. “Falta ao Código Tributário Nacional, por exemplo, um capítulo sobre o processo e o procedimento de fiscalização, que atribua aos contribuintes direitos mais candentes sobre os limites da fiscalização e da ação do fisco nas relações administrativas”, afirmou.

 

Roberto Quiroga

Proteção contra o arbítrio do Estado

Para o professor Roberto Quiroga, a segurança jurídica no campo tributário exige o reconhecimento da desigualdade na relação de forças entre o Estado e os contribuintes. “É claro que a gente tem que ver o lado do Estado. Mas a segurança jurídica de que estamos falando é a segurança que o texto constitucional dá para o contribuinte. Contra o arbítrio estatal”, justificou.

Entre as razões de insegurança, citou a confusão na jurisprudência de diversos temas importantes causada pela falta de embasamento conceitual de decisões dos órgãos de julgamento, incluindo o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e o Supremo Tribunal Federal. Citou o exemplo da tributação de lucros no exterior, apreciada pelo Supremo. “[O STF] não decidiu nada. Ele só confundiu todo mundo. Foram dez votos diferentes.”

Quiroga também criticou o instrumento de modulação de efeitos de decisões dos tribunais superiores. “Ela cria uma condição tal que não sei qual é a interpretação que vou dar e para quando ela vai valer. Se para o futuro, para o passado ou para o presente.”

 

Humberto Ávila

Três condições para a segurança jurídica

Em sua palestra, o professor Humberto Ávila afirmou que só é possível alcançar segurança jurídica quando as normas são compreensíveis, estáveis e previsíveis. E que o Brasil apresenta problemas nessas três condições básicas. Segundo ele, boa parte da insegurança observada no País se deve à falta de determinação do Judiciário em exigir mais qualidade nas decisões do Legislativo.

“Sabe por que no Brasil a legislação é ruim? Porque o Supremo Tribunal Federal não declara a inconstitucionalidade das leis por serem ruins”, afirmou. “Nós temos que recuperar o papel didático dos tribunais e começar a declarar a inconstitucionalidade de normas que sejam contraditórias, que sejam vagas demais, ambíguas demais. Porque o contribuinte tem de pautar a sua conduta com base em algum direcionamento.”

Ávila condenou a prática dos entes federados de instituir ou aumentar impostos por meio de regulamentos, e não de leis, como exige a Constituição. E criticou também mudanças de orientação na jurisprudência que produzem efeitos retroativos, violando direitos dos contribuintes.

 

Hamilton Dias de Souza

Risco de mais insegurança com reforma disruptiva

O tributarista Hamilton Dias de Souza afirmou que uma reforma tributária com mudanças profundas na Constituição e no pacto federativo, que ele chamou de disruptiva, poderá trazer mais insegurança jurídica, e não menos. “Quando há uma reforma tributária disruptiva, alterando todos os conceitos, nós todos podemos imaginar o que vai acontecer. Quanto tempo vai demorar para todas essas coisas ficarem sedimentadas e como os empresários, os contribuintes, como todos nós poderemos organizar a nossa vida?”, questionou.

Para Dias de Souza, propostas como a migração da tributação para o destino dos produtos e serviços, a aplicação do IPI a produtos primários e a criação de um novo tributo sobre “consumos especiais” podem gerar novos focos de insegurança jurídica no sistema tributário.

O tributarista disse preferir um caminho de alterações pontuais e elencou alguns princípios que a reforma tributária deveria obedecer para melhorar o ambiente de negócios e trazer mais segurança jurídica ao País: simplificação, harmonia das normas do processo administrativo/tributário, transparência e neutralidade.

No final de sua palestra, o coordenador do evento, Everardo Maciel, lhe perguntou se o IBS proposto na PEC 45 poderia ser comparado com o Simples, no sentido de respeitar o princípio constitucional da federação. Hamilton mostrou a distinção entre os dois tributos. “O Simples não impede absolutamente que exista instituição normal de tributos por União, estados e municípios – até porque ele é opcional”, respondeu. E reafirmou sua visão sobre a inconstitucionalidade do IBS.

 

Gustavo Brigagão

Tributação da economia digital e IVA

O presidente da ABDF, Gustavo Brigagão, falou sobre dois temas: o desafio de tributar os serviços e as empresas da era digital; e a proposta de criação de um Imposto sobre Valor Agregado no Brasil (IVA).

Ele citou três razões que dificultam a tributação das empresas digitais: o fato de elas não precisarem de presença física no país de prestação do serviço; terem a maior parte do seu valor concentrada em ativos intangíveis; e gerarem receita a partir de informações fornecidas a elas pelos próprios usuários.

Brigagão citou diferentes propostas que países e organismos internacionais estão discutindo para enfrentar esse desafio, mas afirmou que ainda não há resposta satisfatória em nenhum lugar do mundo.

O presidente da ABDF defendeu a adoção do IVA para resolver alguns dos principais problemas do modelo atual, como a sua complexidade e cumulatividade, e lembrou que ele está presente em 165 dos 193 países do mundo. “Eu gostaria muito de poder dizer a investidores estrangeiros que nós temos uma forma de tributação que é compatível com aquilo que eles conhecem. E hoje eu não consigo dizer isso”, lamentou.

 

Palestras são reunidas em livro

O ETCO lançou, em novembro, o livro Tributação e segurança jurídica – a importância de uma eficiente rede de proteção (93 págs.). A obra apresenta e contextualiza o conteúdo das palestras feitas pelos tributaristas Heleno Torres, Roberto Quiroga, Humberto Ávila, Hamilton Dias de Souza e Gustavo Brigagão no evento sobre o tema realizado em junho pelo Instituto, sob a coordenação do professor Everardo Maciel.

O livro escrito pelos jornalistas Fernando Figueiredo Mello e Oscar Pilagallo é voltado a um público mais amplo. Ele pode ser baixado em PDF do site do ETCO ou obtido gratuitamente pelo e-mail etco@etco.org.br (sujeito à disponibilidade de cópias).

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