REVISTA ETCO – EDIÇÃO 26
JUNHO, 2021
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Contra as fraudes no setor de combustíveis

As principais bandeiras do Instituto Combustível Legal, associado do ETCO, para melhorar o ambiente de negócios no segmento de distribuição e revenda

Por ETCO
26/05/2021

O setor de combustíveis é alvo de diversos tipos de fraudes no Brasil. Elas prejudicam consumidores, provocam concorrência desleal, afastam investimentos e causam evasão fiscal de bilhões de reais dos cofres públicos. Recursos não arrecadados deixam de ser investidos na saúde, na educação, na segurança e em outros serviços à população.

Para dar transparência a esse cenário, apoiar as autoridades no combate a essas fraudes e propor alternativas para melhorar o ambiente de negócios, as três principais empresas de distribuição de combustíveis do País – BR, Raízen e Ipiranga – fundaram o Instituto Combustível Legal (ICL), para representar o setor, que desde sempre está associado ao ETCO.

De acordo com o presidente do Conselho de Administração do ICL, Antonio Ferreira Martins, boa parte das ações ilícitas de empresas que atuam na importação, distribuição e revenda de combustíveis envolve manobras ilegais para fugir do pagamento de tributos, especialmente o ICMS e o PIS/COFINS, que são bastante elevados nesse segmento. No caso da gasolina tipo C, por exemplo, os tributos representam 45% do preço final, em média.

A lista inclui desde a venda clandestina, sem nota fiscal; operações interestaduais fictícias para pagar menos ICMS; adulteração na composição de combustíveis com o uso ilícito de produtos de menor tributação; até a inadimplência tributária contumaz, que, segundo Martins, “se tornou uma indústria”.

R$ 7,2 bilhões de evasão fiscal

Os devedores contumazes, como são chamados, criam empresas com o propósito de operar e declarar vendas, mas não pagar os impostos. Como no Brasil o simples débito não é crime, ao contrário de sonegar, escapam assim do risco de serem condenados à prisão. De acordo com o presidente do ICL, essas empresas geralmente são registradas em nome de laranjas sem patrimônio, permanecendo ativas durante o período da cobrança administrativa das dívidas tributárias, que costuma levar de dois a três anos. Depois, os devedores simplesmente abandonam aquela empresa e abrem outra, com novos sócios laranjas, para reiniciar o ciclo.

Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, realizada em 2019, estimou em R$ 7,2 bilhões o valor que deixa de ser arrecadado no País a cada ano com a sonegação e a inadimplência tributária do setor de combustíveis.

Os prejuízos aos concorrentes que agem corretamente são incalculáveis. Um estudo da consultoria Boston Consulting Group (BCG) mostrou que o não recolhimento de impostos permite praticar preços até 30% inferiores, inviabilizando o negócio das empresas que atuam dentro da lei.
Outros crimes e fraudes que afetam o setor são o roubo de cargas, a adição de outros líquidos aos combustíveis e a famosa “bomba baixa”, que consiste em adulterar os marcadores das bombas para mostrar um volume superior ao que foi efetivamente fornecido e pago pelo consumidor.

Ambiente hostil às boas empresas

Segundo o presidente do Conselho de Administração do ICL, a missão do Instituto é apoiar e unir forças nos setores público e privado em torno de iniciativas para prevenir, fiscalizar e combater as fraudes, além de realizar campanhas para informar a sociedade sobre os prejuízos que elas provocam ao País. Conscientizar os consumidores de que preços muito abaixo da média de mercado costumam financiar práticas criminosas constitui uma das tarefas mais importantes e difíceis do trabalho.

O Combustível Legal defende quatro grupos de iniciativas para enfrentar as fraudes no setor: a simplificação tributária, a caracterização do devedor contumaz na legislação federal, o fortalecimento dos instrumentos de fiscalização do segmento e leis mais severas para combater as fraudes (veja matéria na pág. ao lado).

De acordo com Martins, a complexidade tributária, a insegurança jurídica, as fraudes e outros fatores que desequilibram a concorrência tornam o setor menos atraente a grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros. Ele lembra que, nas últimas décadas, marcas importantes como Esso, Texaco e Atlantic abandonaram a distribuição de combustíveis no Brasil: “O País não pode deixar que fraudadores e criminosos ganhem espaço em um setor tão estratégico como o de combustíveis”, conclui Martins.

4 INICIATIVAS DEFENDIDAS PELO COMBUSTÍVEL LEGAL

O Instituto Combustível Legal (ICL) defende a adoção de diversas medidas para combater as fraudes e melhorar o ambiente concorrencial no setor de distribuição e revenda de combustíveis. As principais são as seguintes:

1. Simplificação tributária

Segundo o presidente do Conselho de Administração do ICL, Antonio Ferreira Martins, a complexidade do sistema tributário brasileiro abre muitas brechas para os fraudadores. “São muitas regras, normas fiscais e alíquotas que variam de estado para estado e de produto para produto”, afirma.

No âmbito do ICMS, que é o imposto estadual, o ICL defende a simplificação tributária com a adoção de um valor fixo de imposto para volume de combustível vendido, considerando cada tipo de combustível em todo o território nacional, modelo conhecido como alíquota “ad rem”, que já é adotada para o PIS/COFINS, que são tributos federais exigidos sobre os combustíveis. Também propõe a concentração da cobrança dos impostos nas empresas produtoras (refinarias e usinas de álcool) ou importadoras dos produtos para reduzir os riscos de evasão fiscal. Esse elo da cadeia, mais facilmente fiscalizado, está composto por empresas com recursos e ativos para saldar as dívidas, podem garantir a arrecadação fiscal e consequentemente a igualdade tributária entre os concorrentes do setor.

Outra medida defendida é a equiparação das alíquotas dos combustíveis com similares, como nafta, solventes e correntes, e outros derivados, para evitar o desvio de finalidade desses produtos. “Com uma legislação simplificada e uniforme, será possível reduzir custos com fiscalização e afastar do mercado agentes pouco comprometidos com um mercado sério e responsável”, diz Martins.

2. Caracterizar o devedor contumaz e conferir aos Estados instrumentos legais mais sólidos

A luta contra o devedor contumaz esbarra na falta de uma lei nacional caracterizando os diferentes tipos de devedores de tributos. Essa distinção é necessária para preservar os direitos dos devedores eventuais, que deixam de recolher tributos em períodos excepcionais, mas demonstram boa-fé, intenção e condições de resolver a situação no futuro e não praticam concorrência desleal, e para endurecer a fiscalização e o combate aos devedores contumazes.

Hoje, treze estados já contam com legislação nesse sentido, mas elas só atingem os tributos estaduais. Duas leis em tramitação no Congresso Nacional tratam do tema: o PLS 284/2017, de autoria da ex-senadora Ana Amélia Lemos, que regulamenta o artigo 146-A da Constituição Federal, e o PL 1646/2019, apresentado pelo Poder Executivo. Ambos têm o apoio do ICL, mas precisam de apoio das lideranças legislativas para que voltem a ser uma prioridade, principalmente neste momento de dificuldades orçamentárias.

O Supremo Tribunal Federal tem validado, em sua jurisprudência, atuações repressivas realizadas pelos Estados contra os devedores contumazes. Em um caso (STP nº 102), por exemplo, validou a decisão do Estado de São Paulo de cancelar a inscrição estadual de um contribuinte que utilizava um método mais benéfico de apuração e pagamento de ICMS como subterfúgio para o não pagamento contínuo do imposto e sujeitar a empresa ao recolhimento do ICMS a cada venda de produto.

Mesmo que a jurisprudência do STF tenha avançado sobre o tema, ainda faltam instrumentos legais sólidos e eficazes disponíveis à União e aos Estados para evitar e impedir a atuação de devedores contumazes. Os maus pagadores normalmente contestam qualquer iniciativa estatal que vise a modificar algum critério de apuração de imposto, tornando possível a atuação prolongada desse contribuinte como devedor contumaz, e costumam buscar até mesmo o Judiciário para impedir uma ação repressiva pelos órgãos públicos. Enquanto isso, perdem a concorrência, os consumidores, o erário público e a sociedade como um todo.

3. Leis mais severas contra as fraudes

Segundo Martins, as leis para punir as fraudes e o roubo de cargas e dutos de combustíveis não são suficientemente rigorosas no Brasil, o que abre brecha para essas práticas ilegais. O Combustível Legal defende a aprovação do Projeto de Lei 8455/2017, em tramitação no Congresso, que tipifica os crimes de furto, roubo, descaminho e receptação de combustíveis e estabelece penas mais duras aos autores desses crimes. Também faz campanha para que os estados revisem suas leis contra os postos que vendem produto adulterado ou fraudam as bombas de abastecimento, incluindo a suspensão da Inscrição Estadual das empresas que praticam esses crimes com dolo comprovado.

4. Fiscalização mais assertiva

Com mais de três centenas de importadores, 160 distribuidores e 41 mil postos de abastecimento espalhados pelo País, o setor de combustíveis representa um enorme desafio para a fiscalização. O ICL defende a integração dos órgãos de fiscalização, ações planejadas e sistemáticas e a adoção de ferramentas modernas como inteligência artificial e big data para aumentar a efetividade e assertividade da fiscalização.

Entre as medidas nesse sentido está a manutenção e expansão das forças-tarefa especializadas e permanentes, com apoio de instituições como a Agência Nacional do Petróleo (ANP), Secretarias de Fazenda, Ministério Público, Procon, Ipem e órgãos policiais. O rastreamento de cargas e a integração de sistemas de inteligência das Secretarias de Segurança Pública, Receita Federal, Secretarias da Fazenda e Polícia Rodoviária Federal.

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