REVISTA ETCO – EDIÇÃO 27
DEZEMBRO, 2021
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Devemos criar um Código de Defesa do Contribuinte?

Essa questão foi um dos temas centrais do webinar realizado pelo portal Jota com patrocínio do ETCO

Por ETCO
07/01/2022

R eunir, em uma lei, os direitos dos contribuintes brasileiros que hoje se encontram distribuídos em diferentes instrumentos jurídicos, como uma espécie de Código de Defesa do Contribuinte. Essa ideia foi debatida no webinar O desafio dos contribuintes na garantia dos seus direitos, realizado em novembro pelo portal Jota, com patrocínio do ETCO.

O evento reuniu o consultor tributário Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e presidente do Conselho Consultivo do ETCO, o tributarista Gustavo Brigagão, presidente do Centro de Estudos da Sociedade de Advogados e presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Financeiro, e o advogado Humberto Ávila, professor titular de Direito Tributário da USP. A mediação foi da jornalista Bárbara Mengardo.

Na abertura do webinar, o presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, falou sobre a decisão do Instituto de investir em iniciativas para defender os direitos dos contribuintes dos abusos cometidos pelo Fisco que vêm sendo relatados por empresas brasileiras. Ele lembrou que o tema apareceu no estudo Os Desafios do Contencioso Tributário, que a consultoria EY realizou para o ETCO em 2019. “A nossa iniciativa agora é contratar um novo estudo para tratar dessa questão. Para fortalecer os direitos dos contribuintes”, revelou.

Além da proposta de criação do Código de Defesa do Contribuinte, os participantes discutiram temas como a modulação das decisões do Supremo Tribunal Federal e os projetos de reforma tributária em tramitação no Congresso.
Confira a seguir alguns trechos do que eles disseram sobre esses pontos, condensados para fins de concisão. O vídeo do debate está disponível no endereço: https://youtu.be/cPlHyHHdVeA

Reunir em uma lei os direitos dos contribuintes

Everardo Maciel:
“Há uma grande assimetria entre direitos e deveres do contribuinte. O estado brasileiro tem uma marca claríssima de autoritarismo. Os direitos do contribuinte estão em legislação esparsa: na Constituição, na legislação infraconstitucional. [Assim, poderíamos pensar na] construção de um estatuto, um código, uma lei geral, enfim, dos direitos do contribuinte.
As grandes vantagens da reunião numa peça só são: em primeiro lugar, a visibilidade por se encontrar numa só peça. Em segundo, a sistematização, não deixando, portanto, de forma esparsa. Acho que deveria ser uma lei complementar contida no Código Tributário Nacional, reunindo, portanto, todos os direitos dos contribuintes nessa peça para oferecer visibilidade e sistematização.”

Gustavo Brigagão:
“Eu me pergunto: é necessário um Código de Defesa do Contribuinte? Nós temos um capítulo inteiro na Constituição Federal destinado às limitações constitucionais ao poder de tributar. Eu acho que seria muito mais útil que o Congresso Nacional se debruçasse no exame de determinadas medidas que efetivamente melhorariam a vida do contribuinte. Por exemplo, o contencioso.
Por que não, em vez de se concentrar na elaboração de um Código de Defesa do Contribuinte, tentarmos aprimorar ou efetivamente criar, por exemplo, os métodos alternativos de solução de consulta: a arbitragem tributária, a mediação tributária?”

Humberto Ávila:
“De fato, o código terminaria de algum modo se justapondo ao que está posto na Constituição. O ponto que nós poderíamos considerar é que existe uma tradição legalista de ensino no Brasil e, infelizmente, esses direitos e garantias que normalmente são postos na Constituição com um grau de genericidade maior e um grau de vagueza maior precisam ser especificados e precisados por meio da interpretação e aplicação. A verdade é que os operadores do direito, neste Brasil enorme de 5.600 municípios, 27 entes estatais e mais a União com seus vários órgãos, não são bons em matéria de concretização de princípios constitucionais. Sendo assim, me parece que seria sim bastante oportuno e conveniente do ponto de vista prático que se reunisse em um documento, como se fez no Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, determinados direitos e garantias. Não para reproduzir a Constituição, mas para concretizar o que está posto na Constituição. Isto é, para especificar o que lá está genérico, e para tornar mais preciso o que lá está vago.”

A modulação de efeitos em decisões do STF

Humberto Ávila:
Modulação não é para resolver problema de dinheiro, é para resolver problema de direito. Esse é o ponto principal. Quando houver uma questão institucional gravíssima que vai afetar o sistema como um todo e a credibilidade do sistema, e portanto a confiança do cidadão contribuinte no funcionamento estatal, aí nós podemos admitir a hipótese de eventualmente modular os efeitos. Agora, quando se trata de cobrança de tributo não previsto na Constituição, não devolver significa estimular o descumprimento da Constituição.”

Gustavo Brigagão:
“Se nós formos ver as modulações de efeito que foram aplicadas pelo Supremo, nós vemos que foi um critério só: quando favorável ao contribuinte, modula. É contrário ao contribuinte, não modula. Vale desde sempre. Esse é o critério que pairou sobre a maioria das modulações, elas foram feitas dessa forma, completamente pró-Fazenda, o que cria todas as inseguranças jurídicas que estamos vendo.”

Everardo Maciel:
“A modulação tem que ser muito restrita, [mas] ela é um efeito, não é a causa. A causa é a morosidade do processo tributário. A média entre uma decisão de primeira instância e o desfecho final, em matéria tributária constitucional no Supremo, é 19 anos. Agora, por que tanto tempo? [Um dos problemas é] a inexistência de limites para o lançamento. Pode-se lançar qualquer coisa, daí para diante o problema é do contribuinte. E que, se quiser ir para o Judiciário, tem que oferecer garantias.”

Os direitos dos contribuintes nas propostas de reforma tributária

Everardo Maciel:
Nenhuma das propostas – a PEC 45, a PEC 110, a reforma do Imposto de Renda, o projeto da criação da Contribuição de Bens e Serviços – está preocupada com o direito dos contribuintes. Nós transformamos isso aqui numa selva selvaggia, como dizia Dante Alighieri. Onde cada um tenta tirar o seu naco e livrar-se. E cada um, quando é colocado nessa situação e é afastado em seguida, se comporta, como dizia Roberto Campos, como violinista de campo de concentração: ´eu me salvei, os outros que fiquem com seus problemas´.”

Gustavo Brigagão:
Nos projetos de reforma tributária não existe nada que assegure o direito do contribuinte, pelo contrário, existem algumas deformações de alguns princípios, como no projeto tanto da PEC 45 quanto na PEC 110, da questão da não cumulatividade. Não se vê nos projetos de reforma tributária que estão no Congresso nada que seja tendente a proteger os contribuintes.”

Humberto Ávila:
“Esses projetos foram elaborados no interesse dos Estados, promovem simplificação da injustiça, aumento da carga tributária e aumento da insegurança jurídica. O assunto precisa ser mais bem discutido. Sem paixão, mas focado num equilíbrio, numa simetria entre as prerrogativas dos entes públicos e os direitos e garantias dos contribuintes.”

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