REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Falta aos nossos juízes um balizamento a seguir”

Para o desembargador Paulo Domingues, reduzir a insegurança jurídica depende de uma maior estabilização da interpretação das normas tributárias por parte dos tribunais superiores

Revista ETCO
20/07/2020

O desembargador Paulo Sérgio Domingues, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, acredita que uma das principais razões para o nível elevado de litígios entre o Fisco e os contribuintes esteja na falta de estabilização da interpretação da legislação por parte dos tribunais superiores.

Mestre em Direito pela Universidade de Frankfurt e ex-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Domingues diz que essa falta de balizamento explica muitas decisões divergentes para casos semelhantes no Judiciário. “A quantidade de trabalho de um juiz é tão grande que não dá tempo de ficar fazendo tese jurídica”, ele afirma. “A realidade é que faz falta uma decisão mais rápida dos tribunais superiores.”

Outra causa que ele aponta é a demora e as lacunas com as quais os processos tributários chegam da esfera administrativa ao Judiciário, o que muitas vezes acaba inviabilizando a cobrança e aprofundando a sensação de impunidade.

O desembargador defende mudanças no processo de execução fiscal e a aprovação de legislação para distinguir o devedor eventual do devedor contumaz de tributos.

A seguir, algumas passagens da entrevista que fizemos com ele.

Interpretação controversa gera mais contencioso

Muitos conflitos poderiam ser evitados se tivéssemos estabilidade no que diz respeito à fixação da legislação fiscal. Num sistema tributário como o nosso, com legislação confusa e sobreposição de legislações federal, estaduais e municipais, isso se torna ainda mais grave.

A pacificação da interpretação depende da estabilização da jurisprudência nos tribunais superiores. Nossa sociedade quer uma interpretação que a pacifique ao longo do tempo. A existência de incerteza na interpretação da legislação tributária só gera mais conflitos. É claro que cada um vai procurar defender seus interesses quando for autuado por algo baseado em interpretação controversa.

Juiz não tem tempo para fazer tese jurídica

Os juízes brasileiros são bem preparados para julgar causas tributárias – não acredito que a falta de uma especialização maior possa ser apontada como parte do problema. Ouço dizerem que há muitas decisões em sentidos diversos, mas o que falta é um balizamento a seguir.

Quando estava em tramitação a Emenda Constitucional nº 45/2004, da Reforma do Judiciário, discutia-se muito a urgência de instituirmos a súmula vinculante. Diziam que o grande problema do País era os juízes não seguirem a jurisprudência do Supremo. Sempre achei que era inútil, porque o nosso problema nunca foi esse. A quantidade de trabalho de um juiz é tão grande que não dá tempo de ficar fazendo tese jurídica. A realidade é que faz falta uma decisão mais rápida dos tribunais superiores.

Ter uma definição rápida sobre essas matérias onde há repercussão geral seria extremamente útil para reduzir toda a cadeia do contencioso – desde as autuações por parte do Fisco até as ações judiciais.

Demora e lacunas no processo administrativo

Outro problema é a forma como os processos chegam da esfera administrativa para o Judiciário – por conta da grande dificuldade de estrutura da administração tributária. É muito comum eles chegarem mal preparados, com vários buracos. Não me refiro só à parte legislativa, mas a aspectos como a tipificação dos autos de infração, do porquê do surgimento do débito, ou a localização do devedor e de seus bens. O processo demora tanto na esfera administrativa até chegar a uma conclusão, a uma apuração do débito, que, quando se propõe a execução fiscal, já não se encontra mais o devedor nem os seus bens.

E isso alimenta um ciclo vicioso. A ideia de que se alguém praticar uma infração não será rapidamente identificado e punido acaba estimulando essa prática. A perspectiva de uma cobrança pouco eficaz favorece o contribuinte mal intencionado.

Tirar da Justiça o papel de cobradora

Há muito tempo se discute uma alteração no processo tributário. Uma mudança que eu defendo é a pré-judicialização da primeira fase da execução fiscal, da cobrança da dívida. Hoje, o Judiciário atua como um cobrador de dívida em nome do credor. Penso que esse papel poderia ser atribuído à Receita, e o Judiciário ser acionado somente quando houvesse uma controvérsia levantada pelo devedor ou em momentos como a penhora ou o arrolamento de bens. Como se trata de um tema polêmico, é necessário que haja cuidado com esse tipo de operação, mas acho que isso poderia fazer a execução fiscal andar mais rapidamente.

Também acredito que poderia haver alguma simplificação do processo administrativo-judicial. Talvez não precisasse de três esferas administrativas e mais três judiciais.

O debate sobre alterações na lei de execução fiscal é bem maduro. Acho que já é hora de o Congresso Nacional realizar uma mudança legislativa que venha atender aos interesses da sociedade.

Lei mais dura contra o devedor contumaz

Outra ponto que me parece extremamente importante é consolidarmos uma legislação contra o devedor contumaz de tributos. Precisamos de mecanismos para diferenciar aquele contribuinte que cumpre as suas obrigações tributárias, mas que eventualmente passa por uma dificuldade e deixa de recolher os valores temporariamente, daquele que tem má-fé, não paga e nem tem intenção de pagar os tributos, prejudicando toda a sociedade. Se alguém está usando isso como mecanismo de sobrevivência da sua empresa, como forma de levar vantagem sobre o concorrente, não está agindo na forma ideal.

Precisamos de uma legislação que permita tratar o primeiro de forma menos draconiana – e adotar instrumentos mais rigorosos contra o devedor contumaz.

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