REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Legislação complexa e distanciamento entre o Fisco e o contribuinte”

Adriana Gomes de Paula Rocha, Procuradora-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial, fala sobre as razões do congestionamento dos processos tributários no Judiciário

Revista ETCO
20/07/2020

Uma legislação complexa, uma cultura que não favorece o diálogo entre o Fisco e o contribuinte, um sistema que facilita a litigância e uma dificuldade dos tribunais superiores em dar vazão aos casos que tramitam sob a sistemática de repetitivos e de repercussão geral são fatores que explicam o elevado contencioso tributário do País. A opinião é da Procuradora-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial, Adriana Gomes de Paula Rocha.

Mas ela cita avanços que estão sendo discutidos ou já estão em vigor em todas essas frentes, como a estratégia da própria PGFN de desistir de casos com baixo potencial de êxito para não afogar ainda mais o Judiciário e medidas para aproximar o Fisco e os contribuintes.

Confira os principais trechos da entrevista.

Cultura de litigância e facilidade de acessar o Judiciário

O contencioso tributário tem várias causas. Nosso sistema tributário é muito complexo, temos uma quantidade imensa de normas, uma profusão legislativa que causa muita dúvida, muitas incertezas. Temos também uma cultura arraigada de litigância na nossa sociedade. Existe uma dificuldade no diálogo entre o Fisco e o contribuinte – e a tendência de levar qualquer divergência para a Justiça.

Sempre buscamos o Judiciário para a solução dos problemas e há ferramentas, legítimas, que favorecem o litígio, como é o exemplo do mandado de segurança, que tem baixo custo e permite a desistência a qualquer tempo. Outro fator importante é o excesso de decisões conflitantes em primeira instância. Isso tudo acaba alimentando o contencioso e fazendo com que o sistema não consiga dar vazão ao fluxo de processos.

Sensação de que processos importantes estão parados

Desde a edição da Emenda Constitucional que tratou dos recursos repetitivos e da sistemática de repercussão geral (EC nº 45, de 2004], não houve diminuição significativa como era esperada da taxa de congestionamento do Judiciário, conforme demonstram os relatórios Justiça em Números. O STJ e o STF não estão conseguindo dar vazão aos temas de repercussão geral. Embora reconhecendo os esforços para agilizar a pauta, para conseguir cumprir o que é planejado, isso não acontece na rapidez necessária, gerando a sensação de que os processos importantes, que estão suspensos aguardando as decisões do STJ e STF, estão parados. Isso causa grande insegurança jurídica. A sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral ainda não atingiu o objetivo da norma quando foi criada.

Abuso no uso de recursos e educação fiscal

Não interessa à Fazenda Nacional nem ao contribuinte a demora na entrega da prestação jurisdicional, mas, às vezes, dependendo da estratégia do contribuinte, existe um abuso na utilização dos recursos oferecidos pelo sistema judicial. Porque a demora do Judiciário pode repercutir positivamente no planejamento do contribuinte, o que não ajuda a pacificação dos conflitos.

Temos também um problema de falta de educação fiscal. Hoje, o cidadão não consegue perceber tudo que é feito com o valor dos tributos recolhidos e que efetivamente existe um retorno para ele. Sempre parece que nós, a administração tributária, somos antagonistas, e a ideia não é essa. Todo mundo aqui está trabalhando para ter uma sociedade mais justa, todos pagando, todos recebendo a contraprestação do Estado.

Separar o bom contribuinte do devedor contumaz

Costumo brincar que a Receita Federal deveria mudar o seu símbolo, que é o Leão, por algo que não seja assustador. Precisamos nos aproximar, conversar, valorizar o bom contribuinte, o cidadão que paga os tributos e que por algum motivo entende que deve questionar a lei. Ao mesmo tempo, precisamos evitar a prática daquele devedor contumaz que está se aproveitando dessa situação para litigar, não pagar o tributo e prejudicar seu concorrente.

Estratégia de redução de litigiosidade

Temos buscado, em toda a administração tributária, uma estratégia de redução de litigiosidade, de não insistir naqueles recursos que não teriam viabilidade de sucesso. Na hora em que se foca nos processos estratégicos, o êxito é muito maior. Nós nos esforçamos para melhorar a legislação nesse sentido, para ajudar inclusive numa via de mão dupla com o Judiciário.

Para ter uma ideia, em 2019, na PGFN da 1ª Região, desistimos de mais de 722 apelações e apresentamos 1.152 petições de desistência em processos no STJ e 115 no STF. Isso é uma coisa que a Procuradoria vem fazendo há alguns anos para não aumentar o congestionamento no Judiciário.

Consenso sobre simplificação tributária

Existe um esforço da equipe econômica de simplificar a legislação nos estudos que estão acontecendo em relação à reforma tributária. É nítido para todos a necessidade de simplificar a legislação, simplificar os tributos federais, então está todo mundo convergindo para isso.

Novos instrumentos para promover o diálogo

Tínhamos poucas ferramentas para promover o diálogo entre o Fisco e os contribuintes, mas isso está mudando. Os negócios jurídicos processuais já são uma realidade e ganharam força no ano passado. Temos sentido um retorno positivo inclusive por parte dos advogados privados, que estão até indo buscar a Fazenda para tentar [celebrar o] negócio jurídico. E agora temos muita expectativa em relação à regulamentação da transação tributária [lei nº 13.988/2020, aprovada em abril a partir da MP 899/2019 – ou MP do Contribuinte Legal]. Ela representa um grande avanço para o Brasil. No âmbito da regulamentação da transação tributária para os casos envolvendo teses jurídicas, ela é bastante inovadora. Vejo grande potencial de mudarmos de patamar em relação ao contencioso.

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