REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Não há atalhos para resolver o contencioso”

A economista Lorreine Messias, autora de estudos sobre o tema, diz que uma reforma estrutural é necessária – e lembra que outros países podem dar bons exemplos de como fazer isso

Revista ETCO
20/07/2020

Economista com trajetória ligada à área de Tributação, Lorreine Messias é formada em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrado acadêmico em Administração Pública e Governo, com ênfase em Política e Economia do Setor Público, também pela FGV. Atuou no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e na LCA Consultores ao longo dos últimos anos. É pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper.

Ela lembra que o alto nível de litigiosidade que se vê no Brasil decorre da insegurança jurídica e da complexidade do sistema tributário, de tal forma que só combatendo essas causas será possível reduzir seus efeitos. Um dos resultados mais perversos do quadro, na opinião dela, é a contenção dos investimentos privados. “Recursos que poderiam ser usados pelas empresas em pesquisa e inovação, melhoria de processos e novos negócios são alocados no pagamento de escritórios de advocacia e contabilidade, seguros e provisões em balanços”, descreve.

A seguir, trechos da entrevista.

Números muito superiores à média internacional

O contencioso tributário, nos três níveis federativos, considerando-se tanto os tribunais administrativos quanto os judiciais, alcançou 73% do PIB brasileiro em 2018, conforme estudo que realizei ao lado de Larissa Longo e Breno Vasconcelos, a partir da coleta de dados em bases estatísticas públicas. Isso faz do Brasil o campeão mundial em litígios tributários.

Desse patamar, o contencioso tributário administrativo na esfera federal respondeu por 16,4% do PIB, ante 0,28% e 0,19% de mediana nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da América Latina, respectivamente, de acordo com dados da OCDE para o ano de 2015.

Esse grau de litigiosidade muito superior aos padrões internacionais deixa claro que se trata de um problema a ser enfrentado. E não há atalhos nesse sentido. O sistema de tributação requer uma mudança estrutural e alinhada às melhores práticas internacionais.

O alto grau de litigiosidade inibe o crescimento do País

O grau de litigiosidade tributária está diretamente associado ao grau de insegurança jurídica e ao grau de complexidade de um sistema tributário, conforme sugerem estudos sobre o assunto.

O Brasil é um caso extremo. Ocupa a pior posição em termos de complexidade tributária entre cem jurisdições analisadas pelo estudo Tax Complexity Index, elaborado por duas universidades alemãs.

Temos um sistema descolado das boas práticas internacionais de tributação, estruturado a partir de normas complexas, dispersas em vários dispositivos normativos, sujeitas a alterações frequentes e problemas de redação.

Este quadro favorece o aumento dos litígios, marcados por divergências de interpretação e alta instabilidade jurisprudencial. Do ponto de vista econômico, o grau elevado de litigiosidade tributária reduz o crescimento potencial do País.

Dentre os canais de impacto, está o efeito da litigiosidade sobre o investimento privado: recursos que poderiam ser usados pelas empresas em pesquisa e inovação, melhoria de processos e novos negócios, por exemplo, são alocados no pagamento de escritórios de advocacia e contabilidade, seguros, provisões em balanços e outros gastos associados aos litígios.

É preciso adaptar as normas à economia digital

Com relação à tributação sobre o consumo, a adoção de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) é fundamental. Não se trata de uma mudança politicamente fácil, mas é necessária do ponto de vista econômico.

Somente com a adoção de um bom IVA, aos moldes de países tidos como exemplo – Nova Zelândia, Austrália, Chile, África do Sul –, poderemos criar um ambiente econômico e jurídico mais favorável ao investimento externo e elevar nossa competitividade perante o grupo de economias emergentes.

Iniciativas que buscam ajustes marginais no sistema atual de tributação sobre o consumo tendem a ser pouco efetivas no médio prazo. Isto porque o modelo atual – em especial, ICMS, ISS, PIS/Cofins – possui problemas estruturais e é pouco adequado para lidar com as novas tendências. Em tempos de economia digital e trabalho remoto, deixaram de fazer sentido, por exemplo, parâmetros aplicados pelas legislações atuais, entre eles, a definição do local de prestação do serviço para definir a qual ente o tributo deve ser pago e a diferenciação entre mercadoria e serviço.

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