“Não pode haver absoluta liberdade para aprovar norma sem uma reflexão consequencialista”
Cássio Borges, superintendente jurídico da CNI, propõe maior rigor na criação da legislação tributária e mais coerência nos julgamentos do contencioso
O superintendente jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cássio Borges, afirma que os contribuintes brasileiros costumam ser surpreendidos por autuações de valores inexplicáveis. E aponta a insegurança jurídica como uma das principais razões do contencioso elevado. Ele cita exemplos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Superior Tribunal Federal (STF) e do Ministério da Economia para ilustrar os tipos de incerteza que afetam os contribuintes.
Para reduzir a insegurança jurídica, defende que o Congresso Nacional adote mecanismos para medir os efeitos das normas que são ali aprovadas, de modo a inibir o subjetivismo que, em sua opinião, muitas vezes acaba prevalecendo na produção legislativa.
Confira trechos da entrevista.
Valores sem explicação e insegurança jurídica
Um aspecto do contencioso tributário que chama muito a atenção são os valores envolvidos. Não é raro serem lançados valores sem base teórica ou metodológica. A Receita Federal apresenta um número e há uma dificuldade enorme em descobrir como ele foi calculado – isso quando se consegue descobrir.
Outro aspecto é a insegurança jurídica. O direito tem que trazer confiança para quem dele se vale. O contribuinte pratica seus atos a partir da norma que está posta. O direito também tem de ser previsível. O contribuinte não será surpreendido a cada ano de exercício com a mudança do direito. A falta desses elementos afugenta investimentos. Há vários exemplos da insegurança do nosso sistema.
Mudança de ministro e revisão de jurisprudência
No STJ, uma decisão recente sobre a inclusão do custo da capatazia no valor aduaneiro foi impactante. Tínhamos a expectativa de que a jurisprudência fosse confirmada em favor do contribuinte, mas uma mudança da composição da 1ª Turma, com o retorno de um ministro, fez com que toda uma jurisprudência e precedentes que estavam se confirmando fossem revistos. É um elemento de insegurança jurídica que repercute em toda a estratégia de indústrias que lidam com importação de produtos para uso final ou insumos.
Decisão do Supremo sobre ICMS na base do PIS e da Cofins
No STF, o exemplo é a tese da não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. O ponto que interessa neste caso, relativo à segurança jurídica, está no pleito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que haja uma modulação – e os efeitos da decisão passem a valer a partir de um determinado marco temporal para a frente.
Não critico aqui os efeitos prospectivos das decisões, que às vezes são necessários. Mas, neste caso, o STF já decidiu a questão em 2004 e está debruçado sobre ela desde 1998. Na década de 2000, já havia na corte um julgamento pendente de conclusão, com sete votos favoráveis aos contribuintes, que foram surpreendidos com a ADC 18 da União, que interrompeu o julgamento. Há uma série de instrumentos processuais utilizados pelo poder público para evitar que esta discussão chegue ao fim. Não me parece adequado que a PGFN faça esse tipo de requerimento e que o Supremo acolha tal pedido. Era um direito posto, conhecido e praticado pelo contribuinte de acordo com as regras postas e com os precedentes do Supremo.
Portaria sobre súmulas do Carf sem representantes dos contribuintes
No Executivo, há o exemplo da Portaria nº 531/2019 do Ministério da Economia, criando um comitê de elaboração de súmulas da administração tributária federal. Participamos ativamente da questão, pois o propósito da portaria era justamente estabelecer os precedentes e sumular decisões do Carf. Mas, para a nossa surpresa, não havia conselheiros dos contribuintes participando desse comitê. E pior: indicava pessoas em cargos de confiança, o que não gerava segurança ou estabilidade, pois eles poderiam ser afastados a qualquer tempo pelo governo.
Faltava legitimidade a quem iria estabelecer a jurisprudência. Como participar de um julgamento, mas, na hora de definir os precedentes com teses reiteradas, dar espaço a outras pessoas que não fizeram parte daquele julgamento e não compõem aquele conselho fiscal? O Ministério da Economia revogou a norma a pedido da CNI, mas essa situação exemplifica a insegurança jurídica.
Por um legislativo mais consequencialista
Uma proposta apresentada pela CNI é a de se começar, no âmbito do Congresso Nacional, a medir os efeitos das normas, de agir em uma linha consequencialista. Seria interessante que as normas, quando fossem construídas, passassem por esse crivo.
Dentro dessa lógica, tivemos a Lei nº 13.655/2018, apelidada de “Lei de Segurança Jurídica”, escrita por professores de São Paulo, que passou a estabelecer a necessidade de motivação de certas decisões. Não creio que essa lei chegue a alcançar a construção legislativa, pois está dirigida à execução, à aplicação do direito, mas ela dá um norte, um caminho de que não pode haver um absoluto subjetivismo, uma absoluta liberdade do congressista para propor e aprovar todo tipo de norma sem uma reflexão consequencialista. É um trabalho a ser desenvolvido no Congresso Nacional para melhoria do nosso direito e das nossas normas.