REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Não se pode culpar os auditores pelo contencioso”

O presidente da Unafisco, Mauro Silva, aponta a necessidade de ampliar as iniciativas de aperfeiçoamento profissional para o quadro de auditores fiscais da Receita Federal

Revista ETCO
20/07/2020

Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mauro Silva é auditor fiscal da Receita Federal e está à frente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), entidade associativa que representa a categoria em âmbito nacional.

Para ele, a falta de investimentos no aperfeiçoamento profissional dos auditores potencializa problemas como interpretações divergentes da complexa legislação tributária do País. Outra questão relevante, observa o presidente da Unafisco, é a falta de consciência dos contribuintes sobre a importância dos tributos e do trabalho da Receita Federal. “Como não há investimento adequado em educação fiscal desde a infância, o brasileiro adulto não desenvolveu a cidadania fiscal”, avalia.

Acompanhe alguns trechos da entrevista.

Os brasileiros veem os impostos como estorvo

O gigantesco contencioso brasileiro se deve em grande parte à complexidade das nossas normas tributárias. Pode-se creditar parte dessa complexidade à demanda por benefícios setoriais, ou seja, aos interesses de alguns setores.

Além disso, os contribuintes muitas vezes transformam o contencioso em parte do seu planejamento tributário, postergando o pagamento de tributos para direcionar os recursos a outros objetivos.

Como não há investimento adequado em educação fiscal desde a infância, o brasileiro adulto não desenvolveu a cidadania fiscal e vê o tributo não como um preço pela cidadania, mas como um estorvo. Falta, assim, compreensão sobre a importância do trabalho da Receita Federal e do auditor fiscal. Claro que o mau uso dos recursos públicos ajuda nessa resistência ao dever fundamental de pagar tributos.

É preciso investir em aperfeiçoamento profissional

Os auditores fiscais da Receita Federal do Brasil, como servidores públicos, estão sempre vinculados a fazer aquilo que a lei estabelece. Assim, não se pode culpar os auditores pela situação em que se encontra o contencioso tributário. Cumprimos a lei.

As leis são elaboradas pelo Congresso Nacional e em boa parte das vezes ignoram as orientações e propostas da administração tributária. Legisla-se para atender interesses de grupos de pressão e, em muitos casos, interesses pessoais dos parlamentares. As normas infralegais acabam por refletir a desordem e a complexidade que resultam da elaboração da lei tributária nesse cenário de falta de preocupação com o interesse público.

O cenário se torna ainda mais complexo por conta da grande carência de investimento na Receita Federal: houve corte no orçamento disponível para o órgão, não há investimento em treinamento para os auditores e não há incentivos para aqueles servidores que buscam aperfeiçoamento profissional.

Além de tudo isso, não houve abertura de novos concursos públicos nos últimos anos, acarretando insuficiência no quadro de auditores, o que leva a um acúmulo de processos a serem julgados ou analisados.

Há punições previstas para auditores que erram

Quando se fala sobre a suposta falta de punições para fiscais que cometem erros, isso não é verdade. O Código Penal prevê um tipo penal aplicável aos servidores públicos que exigem o pagamento de tributos indevidamente: é o crime de excesso de exação, disposto no artigo 316, §1º. Ou seja, se o auditor fiscal atua com dolo, prejudicando o contribuinte, será punido.

Além disso, as empresas que provarem ter sofrido dano pela atuação estatal – o que inclui a atuação da fiscalização tributária – podem acionar o Judiciário e cobrar do Estado uma indenização, cabendo ao ente estatal a ação regressiva contra o auditor. Nosso ordenamento já possui mecanismos adequados para tratar dessas questões.

Toda atuação dos auditores fiscais é feita por meio dos atos administrativos, que devem ser motivados, sob pena de nulidade. Se não há motivação adequada, deve-se recorrer ao Poder Judiciário para anular o ato.

Entretanto, as interpretações aplicadas no trabalho do auditor fiscal são baseadas no ordenamento jurídico e, como se sabe, o Direito comporta várias visões. Se não há investimento em treinamento e aperfeiçoamento constante, as interpretações podem ser divergentes. Essa constatação é mais uma razão pela qual alertamos que é de extrema importância que se invista mais em treinamentos periódicos para os auditores fiscais.

Pôr fim aos privilégios é necessário e urgente

É possível pensar em uma reforma infraconstitucional, por exemplo, reavaliando e reduzindo a quantidade de benefícios fiscais em vigor atualmente, e a quantidade de regimes especiais, situações que causam distorções no sistema e influenciam a decisão dos agentes econômicos.

Há extrema necessidade de se rever os benefícios fiscais que muitas vezes privilegiam alguns poucos setores e não trazem qualquer retorno para a sociedade.

Deve-se pensar na construção de um sistema tributário mais justo, revendo a incidência da carga tributária, que se concentra muito no consumo e pouco na renda e no patrimônio, onerando mais aqueles que têm menos capacidade contributiva.

Com relação especificamente ao contencioso tributário, sugere-se a redução das instâncias administrativas de três para duas instâncias, o que tornaria o processo no âmbito administrativo um pouco mais célere. Ademais, há uma tendência de melhora na relação entre Fisco e contribuinte, no sentido de possibilitar meios de autorregularização dos contribuintes, em detrimento de ações meramente punitivas.

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