REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Nos acostumamos a conviver com normas imperfeitas”

A diretora executiva do Getap, Zabetta Macarini Gorissen, diz que o Brasil se habituou a recorrer ao litígio em vez de agir diretamente na fonte: o aprimoramento da legislação tributária

Revista ETCO
20/07/2020

Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Zabetta Macarini Gorissen é diretora executiva do Grupo de Estudos Tributários Aplicados (Getap), instituição fundada há dez anos e que atualmente reúne setenta empresas associadas, de diversos setores da economia. O Getap se dedica a contribuir para o aperfeiçoamento da legislação tributária brasileira com base em quatro pilares: simplificação, racionalização, neutralidade e segurança jurídica na relação Fisco-contribuinte.

Zabetta considera que o contencioso é decorrência principalmente da combinação entre a complexidade do sistema tributário do País e a falta de ações para combater a litigiosidade dela decorrente. “Temos um verdadeiro emaranhado de normas tributárias de difícil compreensão, aplicação e cumprimento, tanto pelos contribuintes como pela própria administração tributária”, ela avalia.

Confira a seguir alguns trechos da entrevista.

Prevenção a litígios tem resultados tímidos

Apesar de terem sido adotadas nos últimos anos algumas medidas para a redução da litigiosidade entre Fisco e contribuintes, como mutirões de pagamento e programas de parcelamentos e anistias (“Refis”), nas esferas federal, estadual e municipal, essas iniciativas não alteraram o cenário caótico.

Novas iniciativas baseadas nos princípios do Cooperative Compliance, fixados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estão sendo desenvolvidas e implementadas, visando a redução de litígios. São estratégias modernas de conformidade que provocam a aproximação do Fisco e dos contribuintes para a discussão de questões tributárias, a exemplo do programa Nos Conformes, do Estado de São Paulo, e do Negócio Jurídico Processual, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Diante do nível do contencioso existente, no entanto, os resultados ainda são tímidos.

Custo da gestão tributária pressiona as empresas

Temos um verdadeiro emaranhado de normas tributárias de difícil compreensão, aplicação e cumprimento, tanto pelos contribuintes como pela própria administração tributária.

Em razão do “lançamento por homologação”, é o contribuinte que, nos tributos de maior complexidade, como Imposto de Renda, PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS, interpreta a legislação, aplica ao caso concreto, efetua o cálculo, o recolhimento do tributo devido e, ainda, preenche e entrega as inúmeras e complicadas obrigações acessórias.

No últimos anos, as administrações tributárias em geral assumiram uma postura mais “combativa” que a usual e passaram a autuar os contribuintes de forma mais incisiva, aplicando multas exorbitantes, criminalizando condutas, imputando responsabilidade tributária a administradores e acionistas, o que impactou de forma ainda mais negativa o contexto de litigiosidade no País.

É grande a preocupação das empresas com os valores expressivos envolvidos nessas discussões ao longo de muitos anos de tramitação. São valores que se somam aos demais custos de administração e gerenciamento dos processos, como honorários advocatícios, custos para garantia com cartas de fiança e seguro-garantia e a realização de depósitos judiciais para a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários em discussão.

Muitas vezes a emenda sai pior que o soneto

No Brasil, nos acostumamos a conviver com normas imperfeitas. Salvo raríssimas exceções, em vez de fazermos correções ou ajustes para evitar consequências indesejadas, adotamos o litígio como a única forma de solução para questões tributárias.

Além disso, é recorrente no País a utilização de “normas regulamentares” ou procedimentais como forma de ajustar, corrigir, interpretar outras normas – o que, na grande maioria das vezes, agrava ainda mais a situação, pois frequentemente essas novas normas regulam a matéria de modo diverso, restringindo direitos e distorcendo conceitos.

Existem meios viáveis e transparentes que servem ao aperfeiçoamento das regras antes de sua entrada em vigor – como, por exemplo, consultas públicas e a criação de grupos de estudos com participação de representantes do Fisco e dos contribuintes para debate prévio do conteúdo da norma.

O próprio instituto da consulta tributária, previsto na nossa legislação, poderia ser muito útil para essa finalidade, mas, infelizmente, na prática é pouco utilizado.

Creditamento financeiro reduziria contencioso

De maneira simplificada, podemos considerar que grande parte do contencioso hoje existente está relacionado a divergências relativas à interpretação do princípio da não cumulatividade, adotado pelo nosso ordenamento jurídico tributário para o ICMS, IPI, PIS e Cofins, por meio do creditamento físico dos bens adquiridos de forma geral.

São inúmeros questionamentos, autos de infração, ações judiciais relativas a diferentes interpretações sobre o que dá crédito do tributo e o que não dá, se o bem adquirido é insumo ou é material de uso e consumo, matéria-prima ou produto acabado, entre outras questões.

Além disso, e por consequência, temos também vários problemas relativos à restituição e à compensação de créditos tributários, gerados em virtude desse modelo de tributação, sob a justificativa de que esses créditos são controversos e demandam fiscalizações e homologações prévias, que também impactam de forma significativa o caixa e o resultado das empresas.

Seria de grande contribuição se fossem implementadas alterações na legislação atual desses tributos, para que se passe a adotar o método de creditamento financeiro – ou seja, todas e quaisquer aquisições tributadas, de bens e serviços, geram direto ao crédito correspondente ao valor do tributo destacado na nota fiscal de aquisição, de forma automática. Com isso, a restituição/compensação de créditos acumulados seria facilitada e grande parte do contencioso hoje existente poderia ser encerrada.

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