REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“O Brasil se esforça para que as coisas deem errado”

Presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa diz que seguir as práticas consagradas internacionalmente seria o caminho mais simples para o Brasil

Por ETCO
20/07/2020

Economista com doutorado pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Marcos Lisboa tem uma trajetória profissional eclética, com experiências na academia, no setor público e no setor privado. Foi professor na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e na Fundação Getulio Vargas (FGV). É o atual presidente do Insper, instituição de referência em ensino superior e pesquisa. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005, no primeiro mandato do presidente Lula. Na sequência, tornou-se diretor executivo e vice-presidente do Itaú Unibanco, instituição onde permaneceu até 2013.

Para Lisboa, a prioridade dada no País ao aumento da arrecadação, sob influência das pressões causadas pela crise fiscal, leva a uma série de erros de avaliação e ao excesso de “criatividade” para gerar normas e estabelecer conceitos. Ele acredita que seria muito mais eficiente olhar para o que os outros países fazem e adotar as boas práticas internacionais. “Não precisaria inventar, mas aqui no Brasil a gente adora inventar”, diz o economista. Confira a seguir alguns trechos da entrevista.

Sistema tributário gera conflitos e faz pouco para resolvê-los

O tamanho que o contencioso alcançou no Brasil é o sintoma de uma doença muito séria. Reflete os problemas causados por um sistema tributário extremamente confuso e disfuncional, quadro que só veio se agravando nas últimas décadas.
É normal que um ambiente de caos seja mais propenso a conflitos. O contencioso é uma das evidências mais significativas de quanto precisamos reformular nossa estrutura tributária. Ações para lidar diretamente com o contencioso podem ajudar, mas serão sempre paliativas. Se o sistema é torto na origem, é na origem que ele precisa ser corrigido.
Além de gerar muitos conflitos, não temos bons mecanismos para gerenciá-los. As disputas entre Fisco e contribuinte se tornam longas, desgastantes, caras e incertas, sem oportunidades de negociação para que sejam abreviadas.

Boas práticas internacionais são modelo pronto

O Brasil se esforça muito para que as coisas deem errado. Temos excesso de tributos, um número inacreditável de normas e falta clareza nos textos.
Todo tipo de “criatividade” surge quando se tem como grande objetivo aumentar a arrecadação. Inventamos até conceitos que não têm contrapartida no mundo real. Essa mentalidade precisa mudar. A prioridade não deve ser arrecadar mais, e sim cumprir as leis. Leis que sejam claras e justas.
Há também os erros de avaliação, como a insistência em cobrar impostos no local de produção, e não no local de consumo, contrariando a prática adotada na maior parte dos países. Por isso a boa prática internacional não é cobrar sobre exportação, e sim sobre importação.
A maioria dos países adota a cobrança de imposto sobre o valor adicionado – ou seja, o quanto aquela etapa adicionou de valor ao produto. É um imposto simples de ser calculado e cobrado. Basta comparar as notas: pagou tanto e vendeu por tanto.
Além disso, temos diversos regimes tributários, dependendo do tamanho da empresa, do bem ou serviço produzido e da região. Uma complexidade impressionante que distorce os preços relativos, o que significa que induzimos as empresas a investir em atividades que não são as mais produtivas. O resultado é o menor crescimento da economia.
Então, na verdade, não há muito segredo. O que precisaríamos fazer é, basicamente, aquilo que os outros países fazem. Não precisaria inventar, mas aqui no Brasil a gente adora inventar.
Acho que o nosso papel nessa discussão é, em grande parte, apresentar dados internacionais, trazer a experiência dos outros países, na contramão do que é o usual por aqui.

Insegurança tributária assusta e afasta investidores

Vivemos uma crise fiscal. Chegamos a esse ponto pelo somatório de escolhas equivocadas que a sociedade brasileira fez nas últimas décadas.
O dinheiro do governo foi sendo distribuído a diversos destinos considerados prioritários, sem controle e num ritmo maior do que o aumento da arrecadação. Tivemos crises fiscais recorrentes, seguidas de medidas para aumentar a arrecadação. Até que a soma dos gastos passou de 100% do que se arrecada. E o pior é que quase todos esses gastos são obrigatórios. A maioria não pode ser reduzida nem com mudança da legislação.
O caos tributário brasileiro é agravado pela tentativa de fazer microrregulação, de cuidar de tudo nos mínimos detalhes para não deixar passar nenhuma oportunidade de arrecadação, com frequência revendo critérios que eram amplamente aceitos. Mas isso é dar um tiro no pé. É matar a galinha dos ovos de ouro.
A insegurança tributária é um dos principais motivos para que investidores estrangeiros estejam deixando o País. E é algo compreensível, pois investir no Brasil se torna algo temerário para empresas que se defrontam com a necessidade de lidar com tudo isso.

Nessa história, não há vilão e não haverá herói

Todas as partes têm uma parcela de responsabilidade sobre o quadro ao qual chegamos. Governo, Fisco, contribuintes, empresas, políticos, legisladores, Justiça.
Por isso, a saída não passa pela busca de culpados ou pela demonização das diferenças, mas pelo diálogo. Não existe vilão, e não vai existir herói que resolva tudo sozinho.
O que existe é a necessidade de encontrar saídas. Nesse caminho, será preciso abrir mão de interesses pequenos, específicos, mesquinhos mesmo, que muitas vezes são evocados para combater supostas perdas setoriais ou defender a manutenção de algum tipo de privilégio. Os olhares precisam ser mais amplos.

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