REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“O contribuinte, a Fazenda e o Judiciário têm de fazer a sua parte”

A procuradora Juliana Araújo, coordenadora da PGFN no TRF-3, diz o que os três envolvidos na questão devem fazer para reduzir os litígios

Revista ETCO
20/07/2020

A procuradora Juliana Furtado Costa Araújo, que coordena a defesa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no TRF-3, considera que tanto Fazenda quanto contribuinte têm responsabilidade na redução das discussões tributárias no País. Nesta conversa, Juliana, que também é professora da FGV Direito SP, elogia inovações introduzidas pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, aponta como sua equipe luta para diminuir o número de casos discutidos e propõe um tratamento mais rigoroso a devedores contumazes.

Leia os principais trechos da entrevista.

Um ambiente ruim

O litígio impacta, claro, a implementação de políticas públicas, gera insegurança jurídica, porque você não sabe se aqueles valores vão entrar nos cofres públicos ou não, e se a União terá ou não de devolver dinheiro ao contribuinte.

E este ambiente de insegurança é muito ruim. Tanto para a União, para o setor público, quanto para o contribuinte, que está ali e também precisa ter regularidade na vida da sua empresa. O aumento do contencioso é grave, e tanto contribuinte quanto a Fazenda têm de fazer sua parte, como o Judiciário também.

Dificuldade de conclusão

O que me chama bastante atenção neste acréscimo é a demora que há para solucionar esse litígio. Teses e temas muito relevantes, para os contribuintes e para a Fazenda, que demoraram anos para serem resolvidos. Um típico exemplo é a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, que tem um contencioso da própria tese e um reflexo muito grande. Mas não só isso: discussões sobre responsabilidade tributária de administradores que estão há anos sem uma resposta rápida do Judiciário.

Tivemos medidas, com o CPC de 2015, na tentativa de solução, mas temos muito pouco tempo para alcançar uma resposta positiva da implementação dessas mudanças. Sou superentusiasta do sistema de precedentes e acho que ele veio exatamente para que o Judiciário seja mais ágil, mas ainda temos que imaginar que esse sistema entra em um contexto onde não existia esse precedente. Primeiro precisamos acomodar essa nova realidade, para começar a ver os resultados.

Responsabilidade da Fazenda e dos contribuintes

É necessário que tanto o contribuinte possua responsabilidade tributária quanto a Fazenda. Como procuradora-chefe da defesa da PGFN na 3ª Região, coordeno toda a defesa da União em São Paulo e no Mato Grosso do Sul. E conseguimos enxergar alguns números muito elevados desse contencioso.
Sem contar a execução fiscal, todas as outras questões envolvendo litígios tributários em São Paulo e no Mato Grosso do Sul somaram 200 mil intimações no ano passado. É muita coisa, e a União precisa fazer algo para mostrar que está disposta a reduzir esse contencioso. Nós aqui temos um índice de redução de litigiosidade bem grande e, sem contar o primeiro grau, deixamos de apresentar recurso em cerca de 13 mil processos. É um número bem significativo.

E tomamos também medidas pela extinção de processos de execução fiscal. Só em 2019, extinguimos cerca de 35 mil Certidões de Dívida Ativa (CDA) na capital paulista. Essa responsabilidade da União é por estar preocupada com a redução de litigiosidade, mas também uma preocupação de implementar medidas que tragam o contribuinte para próximo da Fazenda.

Reduzir o contencioso interessa a todos

A União ganha por reduzir o litígio, aumentar a negociação e negociar garantias. E o contribuinte ganha bastante: além de reduzir litígios, ele terá uma previsibilidade maior nos pagamentos daquilo que deve e reduzirá custos; terá um controle maior de suas economias e de seu patrimônio. Quando a Fazenda se abre para reduzir litigiosidade ou para conversar com o contribuinte, ela mostra que está disposta a reduzir esse contencioso, e nada melhor que números para mostrar que esta redução é real.

O contribuinte tem também uma responsabilidade enorme nessa redução de litigiosidade. Há muitos litígios com o objetivo procrastinatório. Mas não estou dizendo que todos os contribuintes litigam com esse objetivo. Na verdade, para mim, a responsabilidade do contribuinte está em saber escolher aquilo em que vale a pena litigar. Todos têm que ter responsabilidade no objetivo final de reduzir este contencioso gigantesco, que não interessa a ninguém.

Normas para permitir o diálogo

O diálogo que tenha como objetivo a conformidade fiscal é a grande mudança que já está em fase de implementação e precisa ser cada vez mais amadurecido. Mas não se pode manter um diálogo com o contribuinte se não houver instrumentos normativos que deem suporte para que esse diálogo finalize.

Quando falo em “abrir o diálogo”, é porque estou embasada em previsão normativa lá no Código de Processo Civil; quando falo em poder conversar com o contribuinte e negociar, por exemplo, via transação, como a MP 899/2019 [convertida na lei nº 13.988/2020], eu preciso desse fundamento normativo.

Não adianta apenas estabelecer, por iniciativas da própria Fazenda, tais medidas para reduzir a litigiosidade. Temos instrumentos nossos que nos permitem não apresentar recursos, mas eles estão fundamentados em lei. [A lei nº 13.988/2020] é uma das medidas mais inovadoras. Estávamos aguardando há anos essa regulamentação.

Devedor contumaz

É muito importante que se consiga, dentro do contencioso, classificar o contribuinte. Aquele que chamamos de “bom contribuinte” precisa ter benefícios e sentir que a administração tributária reconhece essa característica dele. Por outro lado, aquele contribuinte que nitidamente se envolve em fraudes fiscais estruturadas e em situações onde está claro que não se pretende negociar o tributo, que ele não quer pagar, mas sim procrastinar, precisa ter a atenção devida da Fazenda Pública.

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