REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Produzimos normas rigorosas e depois cedemos aos grupos de pressão”

Essa é uma das causas apontadas pelo tributarista Breno Vasconcelos para o elevado contencioso do País. Ele propõe duas medidas para enfrentar o problema

Revista ETCO
20/07/2020

A insegurança jurídica do sistema tributário brasileiro decorre em grande parte da forma como as normas são criadas no País. Em excesso, de forma errática e descoordenada, sem estudos prévios sobre a experiência internacional e sobre os comportamentos esperados dos agentes econômicos e nem avaliação de resultados após a sua introdução. E por meio de uma cultura política que cria normas gerais extremamente rigorosas para depois ir flexibilizando os critérios conforme a força dos diferentes grupos de pressão da sociedade.

Esse é o diagnóstico do tributarista Breno Vasconcelos, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, para explicar o que ele define como “o maior contencioso tributário do mundo”. Professor e pesquisador do Insper e da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas, Breno é coautor de um estudo que comparou os valores em litígio na esfera administrativa no Brasil com o de dois grupos de países em anos recentes. Aqui, representavam 16,4% do PIB, contra 0,29% em nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de 0,19% na América Latina.

Nesta entrevista, ele cita duas medidas para enfrentar o problema: uma relativamente simples de implementar, baseada na classificação e no tratamento diferenciado aos bons e maus contribuintes, e outra mais complexa: a aprovação de uma reforma tributária nos moldes da PEC nº 45/2019. Confira.

Escola de Direito mal preparada

Uma das principais causas do contencioso é termos no Brasil uma produção excessiva, errática e descoordenada de normas tributárias. É comum encontrar normas que são conflitantes umas com as outras. Nós temos no Brasil uma escola de Direito, uma tradição jurídica, muito mal preparada para elaborar e avaliar os impactos das normas. Está melhorando, mas ainda é mal preparada. Criam-se normas sem uma análise prévia sobre os seus possíveis impactos, sobre quais serão os comportamentos dos agentes econômicos, e não se medem os resultados depois.

No Direito, temos um laboratório extraordinário para analisar hipóteses que é o direito comparado. Será que outro país já passou por isso? Deu certo? Mas o Brasil não faz isso. Nosso ensino jurídico é muito autorrefencial – e as pessoas que saem da faculdade e vão fazer normas têm dificuldade para empregar os métodos empíricos necessários para a produção legislativa.

Uso político da tributação

A produção excessiva de normas tem a ver também com nossa tradição de criar regras tributárias muito rigorosas e ir abrindo exceções para os grupos de pressão – o que torna o sistema cada vez mais complexo e sujeito a conflitos de interpretação.

Também temos a mania de querer usar o tributo como instrumento de política pública – de estimular setores ou regiões por meio de desonerações. Essa não é a função dos tributos, a não ser de maneira extraordinária. Tributos servem para arrecadar recursos. Quando a política se baseia em abdicação de receita, fica difícil medir o resultado. A melhor maneira de fazer política pública é por meio de despesa orçamentária: arrecada-se de todos e gasta-se nos projetos considerados importantes e assim se consegue avaliar melhor o impacto. Desde os anos 1970, a doutrina norte-americana tem inúmeros estudos empíricos demonstrando que esse é o melhor caminho.

Um órgão concentra três papéis

O alto contencioso reflete também um problema de governança tributária, de gestão do processo de produção, aplicação e julgamento das normas tributárias. Diferente de outros países, aqui concentramos esses três papéis praticamente dentro de um mesmo órgão, que no âmbito da União é a Receita Federal. Então, a mesma instituição que analisa os dados macroeconômicos estuda os impactos tributários nos diferentes setores tendo em vista a elaboração da reforma tributária, e depois que ela for aprovada vai ficar responsável por dizer como as normas devem ser aplicadas. E mais: vai também julgar o caso se o contribuinte discordar da sua interpretação, diretamente na primeira instância administrativa e indiretamente na segunda, no Carf. Esse é um problema grave que se replica em todos os entes subnacionais.

Separar o joio do trigo

Uma mudança que não é tão difícil de implementar, e representaria um avanço espetacular, seria o Fisco investir no chamado compliance cooperativo. Criar um programa para entender quem são os contribuintes no Brasil, classificá-los de acordo com o risco que eles oferecem à fiscalização e criar modelos de relacionamento a partir dessas informações. Para os maus contribuintes, mantém o sistema como está. Para os bons, melhora o atendimento, facilita as consultas, as soluções de conflitos. Já existem iniciativas nessa linha, como o programa Nos Conformes, instituído pelo estado de São Paulo. No nível federal, a PGFN já tem um sistema de classificação dos contribuintes, mas que foi criado com a finalidade de aumentar a eficiência da cobrança. Acho que poderia ser estendido para melhorar o relacionamento com o bom contribuinte.

Solução exige reforma tributária

Uma mudança mais profunda, a meu ver, passa pela aprovação de uma reforma tributária nos moldes da proposta pela PEC nº 45, com algumas flexibilizações da PEC nº 110. Não resolve todos os nossos problemas tributários, mas reduz essa enorme complexidade produzida por um sistema que tem vários tributos incidindo sobre o consumo: PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS, além de ter a União, os 27 estados, o Distrito Federal e mais de 5.500 municípios com poder de legislar sobre essa tributação. A unificação de tributos sobre consumo e a tributação no destino, ao invés da origem, como é hoje, tornaria o nosso sistema muito mais simples e seguro.

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