REVISTA ETCO – EDIÇÃO 26
JUNHO, 2021
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Reflexões sobre o Brasil

Em evento do ETCO, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan compartilhou seus pensamentos sobre a situação do Brasil

Pedro Malan, que foi ministro da Fazenda nos oito anos do governo FHC

Por ETCO
26/05/2021

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan foi o convidado especial do Conselho Consultivo do ETCO em sua última reunião de 2020, realizada no dia 26 de novembro. Malan comandou a economia brasileira durante os oito anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003. Nesse período, o presidente do Conselho Consultivo do ETCO, Everardo Maciel, fez parte de sua equipe como secretário da Receita Federal.

Em sua apresentação, Malan falou sobre as raízes históricas de questões que condicionam o presente e continuarão exercendo grande influência sobre o futuro do País. Também falou sobre o fim do bônus demográfico, que pode dificultar o processo de desenvolvimento do País, a polarização política e seu impacto nas eleições de 2022, o desafio de controlar a trajetória insustentável da dívida pública, que ameaça elevar os juros futuros, e outros temas ligados à economia. Citou ainda alguns pontos fortes do País, como a eficiência de parcelas dos setores público e privado.

O encontro foi realizado no formato virtual. Além de Everardo Maciel, participaram os conselheiros André Franco Montoro Filho, Antonio Ferreira Martins, Aristides Junqueira, Hamilton Dias de Souza, Hoche Pulchério, João Grandino Rodas, Jorge Luiz de Oliveira, Leonardo Gadotti, Marcílio Marques Moreira, Maria Tereza Sadek, Ricardo Melo, Roberto Faldini, Tércio Sampaio Ferraz e Victório de Marchi; o presidente do Conselho de Administração do ETCO, Alexandre Jobim; o presidente executivo do Instituto, Edson Vismona; e outros convidados.

Algumas reflexões de Malan:

Inspirações em torno do passado

Para ressaltar a importância do passado, Malan abriu sua apresentação com algumas citações que considera inspiradoras:
“Uma nação não pode escolher seu passado, só pode escolher seu futuro”, da historiadora Jill Lepore, de Harvard.
“O que poderia ter sido e o que foi convergem para um só fim, que é sempre presente”, do poeta T. S. Eliot, nascido nos Estados Unidos e radicado na Inglaterra.
“O passado é uma terra estrangeira; eles fazem as coisas diferente lá”, do romancista britânico L. P. Hartley. Aqui, Malan chamou atenção para o verbo no tempo presente. “Eu sempre interpretei isso como querendo dizer que cada geração visita a terra estrangeira do passado para reinterpretá-lo e, por vezes, reescrevê-lo”, afirmou.

Urbanização sem paralelo no mundo

Segundo Malan, muitas questões atuais têm sua raiz em uma profunda transformação demográfica que o Brasil atravessou a partir da década de 1950. Foi a combinação de um crescimento populacional de 3% ao ano, em média, até o final dos anos 1980, com um processo de urbanização extremamente acelerado. “A população urbana representava 36% do total em 1950, hoje é superior a 86%”, comparou. “Não há nenhum país do mundo em que a urbanização tenha acontecido em tão pouco tempo.”

Esse movimento, segundo Malan, gerou pressões intensas sobre o governo para prover infraestrutura, saúde, educação e, após a Constituição de 1988, programas sociais para enfrentar as desigualdades de renda e oportunidades. “Essas demandas eram e ainda são percebidas por uma parcela expressiva da sociedade como problemas cuja solução exige uma presença ativa do estado e de suas empresas e seus bancos”, explicou.

Fim do bônus demográfico

Malan chamou a atenção também para a velocidade com que o Brasil inverteu a curva do crescimento populacional, que caiu de 3% para 0,7% ao ano em poucas décadas. “A população vai se estabilizar na década de 2040 e depois começar a declinar”, pontuou Malan.

Ele lembrou que o bônus demográfico, que consiste no período em que a parcela da população economicamente ativa supera a soma de crianças e idosos, quando, portanto, as chances de uma nação acumular riqueza é maior, está praticamente no fim no Brasil. “Atualmente, a população de aposentados está crescendo cinco vezes mais que a população geral”, comparou, alertando sobre os impactos dessa mudança no crescimento dos gastos em saúde. “O Brasil corre o risco de virar um país velho antes de superar a armadilha da renda média na qual estamos enredados há algum tempo.”

Percepção sobre o controle da dívida

Malan reconheceu a importância dos gastos que foram feitos para amenizar os efeitos da pandemia, mas salientou seus efeitos na elevação da dívida pública. “Nós temos uma situação que é absolutamente insustentável em matéria de trajetória da dívida e custo do seu serviço”, disse. Em sua avaliação, se o governo não der sinais claros de que pretende reassumir o controle da dívida, a deterioração de expectativas pode elevar a curva futura de juros, tornar ainda mais difícil para o governo se financiar com papéis de longo prazo e produzir uma desvalorização ainda maior da moeda. “O câmbio é o elemento de ajuste quando as percepções se deterioram”, sublinhou.

Polarização e eleições de 2022

No debate com os conselheiros do ETCO, Malan lamentou o nível de polarização que o Brasil atingiu nos últimos anos. Lembrando que esse é um problema mundial, atribuiu parte do fenômeno às novas formas de comunicação trazidas pela internet, que reforçam as divisões entre os grupos. Considerou, no entanto, que a eleição de um presidente moderado nos Estados Unidos pode indicar uma mudança nesse processo.

Forças importantes do País

Malan enumerou também as forças de que o País dispõe para superar suas crises. “Nós temos grandes ativos. Muitas parcelas do setor privado são modernas e eficazes, como o agronegócio, diferentes ramos da indústria, a área financeira. Temos também extraordinária criatividade na música, nos destacamos na arte de um modo geral, nos costumes. Além disso, temos uma mídia altamente profissional. Não conheço nenhum país em desenvolvimento no mundo que tem a qualidade da mídia profissional do Brasil”, destacou.

Ingratidão ao servidor público

Ao final de sua participação, Malan fez uma homenagem às pessoas que se dedicam ao serviço público “com integridade, denodo e competência”, mas não recebem o devido reconhecimento e, pior, são muitas vezes atingidas pelo fogo cruzado da polarização política e das insatisfações difusas da sociedade. Em tom bem humorado, lembrou uma frase do Padre Vieira sobre o mesmo tema proferida em 1669:
“Se servistes à pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis. Ela, o que costuma.”

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