REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Falta um plano para limpar o contencioso”

Membro do Conselho Jurídico da Fiesp, o advogado Beno Suchodolski defende mudanças para reduzir o estoque e prevenir litígios tributários

Revista ETCO
20/07/2020

O advogado Beno Suchodolski, sócio do escritório que leva seu nome e membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), afirma que o contencioso tributário traz muitos prejuízos às empresas brasileiras. Embora atribua grande parte do problema à complexidade do nosso sistema tributário, ele acredita que uma reforma profunda, como as propostas que vêm sendo discutidas no Congresso Nacional, traria ainda mais insegurança jurídica inicialmente. Ele defende que a reforma seja precedida por um grande plano nacional de refinanciamento voltado à regularização de débitos tributários.

Para ele, medidas especificas podem ajudar a reduzir o contencioso. Uma das propostas que tinham o seu apoio foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril: o fim do chamado voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), tribunal cujas turmas são formadas por julgadores do Fisco e dos contribuintes de forma paritária. O mecanismo extinto dava ao presidente da turma, sempre um representante do Fisco, um voto extra em julgamentos empatados. Com a mudança na lei, o empate passa a ser considerado em favor dos contribuintes.
Suchodolski defende também mudanças como uma maior produção de súmulas por parte do Judiciário e a revisão do sistema de bônus para os auditores fiscais.

Confira trechos da entrevista.

Excesso e baixa qualidade das normas

A exuberância de normas tributárias é um abuso extremado. Primeiro, porque um país com uma economia integrada de norte a sul como temos no Brasil, com empresas operando em todos os estados da federação, algumas operando em milhares de municípios, manter um sistema de acompanhamento tributário em todos os estados e municípios é impossível.

A dificuldade desse modelo tributário nacional é agravada pelo fato de que muitos estados e municípios produzem textos legais tributários mal escritos, confusos, equivocados, vagos, e isso torna a atividade empresarial muito difícil.

As razões jurídicas do problema

A causa do contencioso vem da falta de harmonização entre os vários segmentos do direito que comandam os tributos. Temos problemas de inadaptação do Código de Processo Civil para regular o contencioso tributário. Temos um Código Tributário Nacional extraordinário em sua qualidade jurídica, mas que precede a Constituição – e nunca houve uma harmonização entre ambos.

A independência dos poderes no Brasil criou alguns mitos jurídicos. Um deles é o de que a decisão judicial se aplica só ao caso concreto. Com isso, a jurisprudência tributária acaba ficando submetida a interpretações específicas de juízes, cada um com a sua convicção, e o resultado prático é uma quantidade enorme de decisões inconsistentes sobre os mesmos problemas. Se houvesse uma sincronização entre Judiciário e Executivo, esse problema poderia ser muito atenuado.

O Judiciário deveria produzir mais súmulas

Se o Supremo, o STJ e os Tribunais de Justiça dos estados produzissem súmulas estabelecendo situações em que há equívocos ou óbvias ilegalidades por parte do Fisco ou do contribuinte, e elas fossem seguidas obrigatoriamente pelas autoridades tributárias, seria criado um modelo para reduzir o contencioso. O Judiciário hoje produz pouquíssimas súmulas – e as que existem, o Fisco não respeita. Precisamos que o Congresso aprove uma lei estabelecendo como função do Judiciário a criação de súmulas de interpretação tributária de aplicação compulsória a todos os entes – governo federal, estados e municípios.

Bônus a fiscais por autuações pagas, não feitas

Hoje, de forma geral, a fiscalização é beneficiada com um sistema de premiação que concede pontos em cima do volume das autuações feitas. Isso deveria mudar e o fiscal receber os pontos apenas quando a autuação produzisse um pagamento. E que o fiscal cuja autuação sofresse redução administrativa ou judicial tivesse uma redução na sua premiação. Isso reduziria o volume de autuações indevidas ou inconsistentes.

Reforma tributária deve piorar a situação no início

Toda reforma tributária, durante certo número de anos, traz mais complexidade do que solução, porque se está caminhando com o modelo existente e um novo modelo, e essa transição de modelos traz mais insegurança, mais dúvidas para o contribuinte, para o Fisco e para o Judiciário. E o resultado prático é que o processo de migração é um processo no qual crescem as dificuldades interpretativas.

Antes da reforma, uma limpeza no estoque de contencioso

A reforma tributária teoricamente começa uma vida nova, então seria conveniente o País fazer uma limpeza nesse contencioso quase insolúvel que temos hoje. Um caminho seria um programa que permitisse amortizar o valor da dívida em um prazo de oito a dez anos, com liberação de penalidades e premiações progressivas aos contribuintes que se mantivessem em dia com as prestações. Hoje, o crédito nominal fiscal do governo federal é de R$ 3,5 trilhões: se um programa assim conseguisse recuperar 20% desse valor, seriam R$ 700 bilhões a mais para os cofres públicos, ou R$ 70 bilhões por ano durante uma década. Limparíamos o contencioso e ainda resolveríamos o problema do déficit fiscal federal. Eu acho isso fundamental antes da reforma tributária.

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