REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
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“Fisco e contribuinte não são figuras que se opõem”

O juiz federal Paulo Cesar Conrado adverte para a necessidade de uma postura mais cooperativa entre Fisco, contribuintes e Judiciário como principal caminho para evitar a propagação de litígios

Revista ETCO
20/07/2020

Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor do Mestrado Profissional da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), onde é um dos coordenadores do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), o juiz federal Paulo Cesar Conrado critica a postura intransigente que as partes envolvidas no contencioso tributário – Fisco, contribuintes e Judiciário – adotam muitas vezes para tentar resolver seus próprios problemas.

Ele defende a criação de Varas tributárias para processar e julgar as demandas relacionadas ao tema, o que proporcionaria vantagens como redução de etapas e especialização do julgador. “Hoje, causas tributárias extremamente relevantes do ponto de vista econômico convivem com causas de valor inexpressivo e que deveriam ser processadas e julgadas em outro ambiente”, avalia.

A seguir, a visão dele sobre o contencioso.

Avanços significativos

O contencioso judicial evoluiu muito em comparação ao que vivíamos três décadas atrás. As inúmeras reformas pelas quais o Código de Processo Civil (CPC) anterior passou na década de 1990, a Emenda Constitucional 45, da Reforma do Judiciário, e, mais recentemente, o advento do CPC de 2015, foram eventos que serviram, de um lado, para deixar à mostra as fragilidades do sistema processual e, de outro, para intensificar a busca por soluções. Ainda estamos muito longe do ideal, mas já há suficiente massa crítica sobre a necessidade de estabilidade, de segurança, o que demanda o aperfeiçoamento urgente de instrumentos dirigidos a esse resultado. Nesse ponto destacam-se figuras como os recursos repetitivos processados nos tribunais superiores.

Filtro administrativo

O ponto mais crítico parece estar hoje no contencioso administrativo, alvo de intensa crise institucional nos últimos anos, o que acabou fragilizando sua atuação. Isso é muito preocupante, pois, em meu entender, o contencioso administrativo tem um papel fundamental para o sistema processual tributário – o de filtrar questões que podem (ou poderiam) ser resolvidas independentemente do Judiciário. Se os órgãos administrativos julgadores não se imbuírem desse espírito, sua atuação corre o risco de se tornar puramente protocolar.

Espírito de cooperação

Fisco e contribuinte não podem se enxergar como figuras que se opõem, mas sim que se complementam. O contencioso tributário decorre principalmente da falta de postura cooperativa. É fruto da intransigência de seus atores, muito interessados em resolver seus próprios problemas. Fisco, contribuinte e Judiciário passaram as últimas décadas tentando fazer prevalecer seus desejos – o de arrecadar, no caso do Fisco; o de manter-se livre da atividade tributária, dos contribuintes; e o de reduzir seu acervo, do Judiciário. Todas pretensões legítimas, mas que devem coexistir e não se anular.

É evidente que num sistema tributário tão complexo, especialmente no que se refere a deveres instrumentais, abre-se espaço para intensa litigiosidade. Ainda assim acho que esse ambiente de beligerância histórica segue sendo a principal causa do gigantismo de nosso contencioso. Tanto é assim que, a partir de elogiáveis iniciativas tomadas no âmbito federal, sobretudo no que tange à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) – como quando passou a servir-se de instrumentos como a transação e o negócio jurídico processual –, o número de processos assumiu clara tendência de queda.

De todo modo, a simplificação do sistema ajudaria muito na construção de um contencioso mais resolutivo e menos beligerante.

Competências redefinidas

Já avançamos muito em termos normativos. Precisamos tornar reais, na prática judicial, ideias fixadas em lei, sobretudo no CPC de 2015. Vale destacar, nesse sentido, o aprimoramento pragmático do sistema de julgamento de temas afetados nos tribunais superiores, coisa que depende muito pouco de ajustes legais, muito mais de gestão. O único aspecto propriamente normativo que, creio, poderia resolver muitos problemas do contencioso tributário relaciona-se ao plano das competências.

O Judiciário, notadamente o federal, vive, hoje, um verdadeiro paradoxo nesse aspecto. Causas tributárias extremamente relevantes do ponto de vista econômico convivem com causas de valor inexpressivo e que deveriam ser processadas e julgadas em outro ambiente, como o dos Juizados. É o que se passa, por exemplo, com grande parte das execuções fiscais referentes às dívidas de profissionais com seus respectivos conselhos de classe.

A criação de Varas tributárias, onde se processariam e julgariam todas as demandas afetas à matéria, não importa se relacionadas a cobrança ou a defesa, seria um grande passo, pois reduziria complexidades e permitiria a especialização do julgador. Descomplicando-se a rede de instrumentos hoje usada – declaratória, seguida de anulatória, seguida de execução, seguida de embargos etc. –, o número de processos certamente seria reduzido.

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