REVISTA ETCO – EDIÇÃO 25
AGOSTO, 2020
BAIXAR PDFLER EDIÇÃO IMPRESSA

“Precisamos de um tratamento especial ao bom contribuinte”

Adriana Gomes Rêgo, presidente do Carf, fala sobre o aumento da eficiência do órgão e sobre as medidas que considera mais importantes para a redução dos litígios tributários

Revista ETCO
20/07/2020

A presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Adriana Gomes Rêgo, comanda o principal tribunal administrativo do País há dois anos. O órgão, que conta com mais de uma centena de conselheiros, reúne um acervo de 116,7 mil processos, somando R$ 624 bilhões em créditos tributários. No ano passado, publicou 26.090 acórdãos, analisando quase R$ 371 bilhões em valores disputados entre Receita Federal e contribuintes pessoas físicas e jurídicas.

Adriana entende que o Carf tem cumprido o papel de diminuir o seu estoque de processos, mas que a solução passa por outros caminhos fora do tribunal. Em sua opinião, a autorregularização e o compliance contribuiriam para reduzir a litigiosidade tributária no País.

Complexidade da legislação e fragilidade coercitiva

Hoje, o tempo de julgamento, tanto no contencioso administrativo quanto no contencioso judicial, é algo que prejudica até o cumprimento espontâneo da arrecadação, e é uma prestação de serviço à sociedade que está sendo adiada.

Uma das causas do excesso de litigiosidade é a complexidade da legislação, que gera interpretações divergentes. Outro ponto é a fragilidade na coerção da legislação tributária. Há países onde, quando a pessoa deve um imposto sobre o seu carro, se toma o carro. E aqui, hoje, não há mecanismos de exigência tão facilitados, o que acaba no não cumprimento da arrecadação tributária.

Mais julgamentos do que causas novas

A própria estrutura do contencioso não é compatível com o volume atual de processos. O Carf, desde 2019, julga pela primeira vez mais processos do que recebe. Julgamos 1,33 processo para cada processo que entrou no tribunal. Na Câmara Superior, essa taxa foi de 1,72. Temos dado vazão ao fluxo. O problema é o acervo elevado.

Entre 2011 e 2014, a Receita Federal praticamente duplicou o número de julgadores de primeira instância, sem que no Carf houvesse essa duplicação. A entrada era maior que a saída a tal ponto que se julgava entre 59% e 62% do que entrava. A falta de colegiado em 2015 [após a operação Zelotes] também ajudou a aumentar o acervo.

Causas de baixo valor que exigem análise probatória

Outra característica do acervo que dificulta sua vazão é o fato de que são processos onde prevalece a análise probatória. Mais de 50% do nosso acervo são processos de baixo valor, que não podem ser resolvidos por súmulas. Já criamos turmas extraordinárias em 2016 e 2017 para analisar tais casos, mas são processos que não se resolvem via repetitivo.

Simplificar a lei e dar tratamento especial ao bom contribuinte
Um passo fundamental seria a simplificação da legislação. Se os pontos mais controvertidos fossem trabalhados no sentido de sua resolução preventiva, teríamos menos litígio.

O caminho que eu considero o mais importante, porém, seria a ampliação de mecanismos de compliance e de cumprimento espontâneo. Um tratamento especial para o bom contribuinte, de autorregularização, para tentar fazê-lo cumprir suas obrigações tributárias antes da efetuação do lançamento. Diferenciar aquele que sonega de forma deliberada daquele que não quer sonegar, mas comete erros, e dar ao bom contribuinte um tratamento diferenciado. A diferenciação tem um aspecto educador. Ela é benéfica quando trata o bom contribuinte em um ambiente de autorregularização mais fácil.

Aumentar a estrutura, mas tratando as causas do litígio

A melhor alternativa seria o processo administrativo nem começar. Seria investir no compliance, fazer um mapeamento de quem são os bons contribuintes e oferecer um tratamento diferenciado a eles.
Trabalhar a estrutura resolve? Resolve, mas não faz sentido para o Estado aumentar o número de turmas do Carf se não trabalhar lá na origem. É preciso trabalhar a origem, a causa-raiz, que é o surgimento do litígio.

Se eu tivesse de trabalhar com uma única solução, eu trabalharia para a autorregularização, para a aproximação e a convergência entre a administração tributária e o administrado, que é o contribuinte.

Além do aumento na velocidade dos julgamentos

O caminho que estamos buscando é o de uma prestação de serviços mais célere à sociedade. Adotamos vários mecanismos de eficiência, já classificamos cerca de 70% dos nossos processos com inteligência artificial e estamos julgando mais processos do que recebemos. Mas podemos contribuir ainda mais para a redução do contencioso, por exemplo, na fixação da jurisprudência vinculante e na promoção de um alinhamento entre a Receita Federal, o Carf e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a partir do momento do lançamento do tributo.

RELACIONADAS