REVISTA ETCO – EDIÇÃO 26
JUNHO, 2021
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Como enfrentar os desafios do contencioso tributário

Tema foi debatido por presidentes do ETCO e de entidades do direito tributário a partir de estudo realizado pela consultoria EY

Por ETCO
26/05/2021

O elevado nível de litígios entre o fisco e os contribuintes prejudica o ambiente de negócios, afasta investimentos e atrasa o desenvolvimento do País. Por isso, nos últimos anos, o ETCO vem realizando diversas ações para chamar a atenção da sociedade para a gravidade desse problema e contribuir na busca de soluções para ele.

Uma das iniciativas mais importantes nesse sentido foi contratar a consultoria EY (Ernst&Young) para fazer um diagnóstico da evolução dos litígios fiscais no Brasil e identificar as soluções adotadas por outros países para lidar com as divergências entre seus contribuintes e o fisco. O estudo Os Desafios do Contencioso Tributário Brasileiro foi lançado em um seminário realizado pelo ETCO em novembro de 2019, foi tema de uma edição especial da Revista ETCO publicada em agosto de 2020 e vem sendo apresentado em diversos fóruns de discussão.

Em dezembro, o estudo foi tema de um webinar realizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt), que reuniu o sócio da área tributária da EY, José Paulo Peixe; o presidente executivo do ETCO, Edson Vismona; o presidente do Conselho Consultivo do ETCO, Everardo Maciel; a diretora executiva do Grupo de Estudos Tributários Aplicados (Getap), Zabetta Macarini Gorissen; e o presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão. O evento foi coordenado pelo presidente da Abradt, Valter Lobato.

Destaques do estudo

O sócio da EY fez uma apresentação sucinta da pesquisa realizada para o ETCO, incluindo os seguintes destaques:

  • O contencioso tributário vem crescendo nos últimos anos tanto em termos absolutos quanto em relação ao PIB brasileiro. De 2013 a 2018, os valores em disputa ou em processo de cobrança judicial passaram de R$ 2,28 trilhões para R$ 3,44 trilhões – ou de 42,7% para 50,4% do PIB.
  • O sistema tributário tem se tornado cada vez mais complexo e caótico. De 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada, até 2018, foram editadas no País mais de 390 mil normas fiscais, além de 16 emendas constitucionais tributárias.
  • Os litígios são extremamente longos. Em 2017, o tempo médio de um processo tributário no Brasil, até sua solução definitiva, era de 18 anos e 11 meses.
  • O contencioso tributário tem peso enorme no balanço de muitas das maiores empresas de capital aberto do País. Em alguns casos, supera até o valor de mercado da companhia.
  • Uma análise das melhores práticas de prevenção do contencioso adotadas nos Estados Unidos, na Alemanha, na Austrália, no México, em Portugal e na Índia mostrou a importância de mecanismos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem.

Parcelamento em 2 mil anos

Comentando pontos do estudo, o presidente executivo do ETCO defendeu a adoção de instrumentos alternativos de solução de conflitos tributários no Brasil (mediação, conciliação e arbitragem). “Fiscos rigorosos, como é o dos Estados Unidos, permitem uma discussão prévia antes da autuação”, lembrou Vismona. “Isso permite que haja uma avaliação entre as posições defendidas pelo contribuinte e o entendimento do fisco, identificando previamente erros, por exemplo.”

Vismona também lembrou que, além de gerar insegurança jurídica e afastar investidores, o sistema tributário confuso amplia o contencioso beneficiando os devedores contumazes de tributos. “Devedor contumaz é aquele que se estrutura para nunca pagar impostos”, explicou. “Ele se aproveita de toda essa situação, essa barafunda tributária, para manter a discussão sobre o que é devido, retardando qualquer decisão e assim não pagar”.

Vismona citou o exemplo de uma cervejaria do Rio de Janeiro que tem uma dívida bilionária com o fisco estadual e que, valendo-se de uma brecha da lei, conseguiu, recentemente, em uma decisão na Justiça, o parcelamento dos débitos por um prazo de mais de 2 mil anos.

O presidente do ETCO lamentou que um projeto de lei apresentado no Senado em 2017 (PLS 284/2017), que distingue os devedores em diferentes tipos, conforme a recorrência da dívida e os impactos sobre a concorrência, e autoriza um tratamento mais rigoroso contra o devedor contumaz esteja parado na atual legislatura.

Causas e soluções

Em sua participação no debate, o tributarista Everardo Maciel, que foi secretário da Receita Federal nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), aprofundou a análise e as sugestões que apresentou em entrevista publicada na edição passada da Revista ETCO com foco no reformulação do processo tributário. Alguns pontos de sua visão sobre causas e soluções para o contencioso:

  • Um dos principais motivos da elevada geração de litígios tributários no Brasil é o fato de o fisco não arcar com custos quando faz autuações indevidas.
  • Outra causa importante, agora de responsabilidade dos contribuintes, é a chamada “indústria das teses”, que se beneficia do fato de a Constituição Federal conter um volume extenso de matéria tributária. Com isso, as possibilidades de questionar o pagamento de impostos por meio de contestações constitucionais são enormes.
  • Pelo controle difuso de constitucionalidade adotado no Brasil, contribuintes que levam teses idênticas à Justiça podem receber sentenças opostas de diferentes juízes. E, até a matéria chegar aos tribunais superiores e ser pacificada, em geral mais de dez anos depois, quem perdeu pode se ver obrigado a recolher um imposto que seu concorrente direto mantém o direito de não pagar.
  • Uma mudança importante que ajudaria a reduzir o contencioso, segundo o presidente do Conselho Consultivo do ETCO, seria a integração do processo administrativo ao judicial. Ao permitir a cobrança administrativa dos tributos devidos, desafogaria o Judiciário. Ao instituir a sucumbência ao perdedor, faria o fisco tomar mais cuidado antes de lavrar autos de infração.
  • Outra medida importante seria permitir ao fisco ingressar diretamente no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade ao identificar o surgimento de uma controvérsia de relevante repercussão fiscal.
  • Para limpar o estoque de contencioso, Everardo sugere que seja permitido aos contribuintes utilizar precatórios, prejuízos certificados ou créditos acumulados, próprios ou de terceiros, para liquidar créditos inscritos em dívida ativa.

Valorização dos bons contribuintes

A diretora executiva do Getap, Zabetta Macarini, elogiou os esforços que vêm sendo empreendidos pela Receita Federal para valorizar os bons contribuintes e facultar a eles a autorregularização tributária. “Com o chamado cooperative compliance, ambas as partes trabalham juntas para evitar o contencioso”, explicou. “Isso permite que o contribuinte de boa-fé, aquele que não está com a intenção de fraudar o fisco, não quer sonegar nem fazer planejamento tributário abusivo, encontre na Receita Federal, no órgão fiscalizador, um arcabouço de legislação que permita regularizar a obrigação sem levar multa.”

Ela também elogiou a aprovação da Lei nº 1388/2020, que regulamentou algumas modalidades de transação tributária no País, defendendo a ampliação desse instrumento para permitir sua aplicação em um volume maior de casos. Zabetta lamentou, no entanto, a ineficiência do instituto da consulta tributária, que, em sua opinião, falha na missão de dar segurança jurídica ao sistema tributário. “É um instituto inútil”, afirmou.

Contribuintes em desvantagem

O presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão, criticou a diferença de forças que, em sua opinião, favorece o fisco nas disputas tributárias. “Na batalha entre as duas partes, o fisco está em situação privilegiada”, disse Brigagão. Ele citou o amplo arsenal de instrumentos de que o fisco dispõe para forçar o pagamento de créditos que o contribuinte pode considerar indevidos, como arrolamento de bens, medida cautelar fiscal, presunção de fraude, indisponibilidade de bens, protesto extrajudicial da CDA (Certidão de Dívida Ativa), inclusão de dados do contribuinte no Cadin e negativa de emissão de regularidade fiscal.

Ele criticou também os efeitos da transferência de julgamentos de matéria tributária no STF do plenário físico para o virtual, adotada no ano passado por causa do coronavírus. De acordo com Brigagão, ao dispensar o debate presencial entre os ministros e reduzir o espaço para as manifestações dos advogados, limitados ao envio de sustentação oral por arquivo de vídeo, o plenário virtual compromete a qualidade dos julgamentos e a segurança jurídica. Ele citou diversos casos julgados dessa forma que acabaram alterando entendimentos que prevaleceram na jurisprudência durante décadas.

A opinião foi compartilhada pelo presidente da Abradt. Segundo Valter Lobato, “a enxurrada de julgamentos” pelo plenário virtual que ocorreu em 2020 acabou gerando decisões pouco debatidas e, como consequência, mal redigidas, que já estariam gerando interpretações divergentes por parte de alguns estados e municípios. “Isso traz mais contencioso”, sentenciou.

Apesar dessa crítica, Lobato encerrou o webinar lembrando que o País tem alguns avanços importantes a comemorar na busca de soluções para o contencioso. Ele citou a criação de ferramentas como o negócio jurídico processual e a transação tributária, que permitiram algumas formas de negociação entre o fisco e os contribuintes, e o fim do voto de qualidade, que favorecia o Estado em julgamentos empatados no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). “Eu acho que iniciativas estão sendo tomadas”, concluiu o anfitrião do evento.

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